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Santana, policial, perde sapatos para Caneco esperando carro quebrado

O Santana, ao sair da delegacia onde fingia trabalhar, colocou a chave na ignição. No entanto, por mais que o policial virasse a chave, nada do veículo dar sinal de vida. Falta de gasolina não era, pois, como ele se lembrava, havia abastecido no posto no dia anterior.

Desesperado para ir logo embora, telefonou para a oficina do Leopoldo, antigo conhecido. Por sorte, o proprietário atendeu e, após uma breve conversa, ele mandou um caminhão guincho até a delegacia buscar o automóvel do Santana.

Mal chegou na oficina, lá foi o Santana acertar o valor com o Leopoldo. O problema é que, enquanto aquele era mau pagador, este tinha fama de enrolado. Tanto é que os fregueses mais tarimbados não perdiam tempo na infrutífera esperança de que seus veículos estivessem prontos no prazo combinado.

Para você aí que está me lendo tenha noção do quão enrolado era o Leopoldo, eis alguns comentários dos clientes mais assíduos:

“O que o Leopoldo tem de eficiência, sobra em morosidade.” (Afrãnio Rolha)

“Serviço formidável, espera lamentável.” (Gilmarildo do Pagode)

“Tarda, mas não falha!” (Vicente Risadinha)

Até o Leopoldo tinha seu lema: “Se quer pressa, que vá ao fast-food.”

Pois bem, como você já deve ter percebido, o carro do Santana, que deveria ser entregue na semana seguinte, continuava parado em frente à oficina. O Leopoldo, que de besta não tinha nem a cara, tratou de usar a mesma desculpa de sempre.

– Santana, estou esperando por duas peças pra deixar seu carango novinho em folha.

– Que peça, Leopoldo? Amanhã vai completar um mês e nada de você me entregar o carro.

– É que ainda estou aguardando você me pagar pra comprar as peças.

Naquele cabo de guerra sem futuro, nada foi resolvido. O policial tratou de ir embora, enquanto o Leopoldo foi mexer na Kombi 1967 do Gugu Redinha, cujo atraso na entrega estava perto de completar três meses.

Mais duas semanas, eis que o Santana resolveu madrugar em frente à oficina. Como seu veículo estava estacionado na lateral, ele usou a chave reserva para abri-lo. O sono apertou, o que fez o sujeito adormecer, mas não antes de retirar os sapatos e esticar as pernas na janela do veículo.

Caneco, o vira-lata que fazia a guarda do local em troca de resto de comida, parece que gostou daquele chulé que exalava do calçado deixada ao lado do automóvel do Santana. Tanto é que, não tardou, pegou um e o levou para debaixo da mangueira. Roeu tanto, que acabou provocando um baita rombo. Não satisfeito, voltou e pegou o outro pé, que teve o mesmo destino.

Lá pelas oito horas, o Leopoldo chegou e encontrou o cliente roncando dentro do automóvel. Preferiu deixá-lo dormindo, pois queria começar o dia bem. Tratou de começar a trabalhar, pois precisava entregar pelo menos um dos inúmeros veículos que abarrotavam o local.

Leopoldo olhou ao redor e, decidido, começou a mexer no Corcel 1973 do Gilmarildo do Pagode. Mexe daqui, mexe dali, aperta alguns parafusos, afrouxa outros tantos, eis que, já quase terminando o serviço, o Santana despertou. O mecânico fingiu que nem percebeu e continuou a trabalhar na relíquia do Gilmarildo. Não adiantou, já que o policial deu um berro que, provavelmente, foi ouvido na delegacia, que ficava a duas quadras dali.

– Caneco, seu pulguento de uma figa!

Ainda fingindo concentração no serviço, Leopoldo não tirou os olhos do motor. Pra quê? O Santana, ainda furioso, quis tirar satisfação com o mecânico.

– Leopoldo, olha o que esse seu cachorro fez com os meus sapatos.

– Meu cachorro?

– Sim, isso mesmo

O mecânico, fazendo a sua cara mais cínica, olhou o par de sapatos do Santana destruído pelo cachorro. Depois se virou para o Santana e soltou essa:

– Ah, o Caneco. Mas ele não é mais funcionário da minha oficina há mais de mês. Ele até já cumpriu aviso prévio.

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

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