Plantão confuso
Santana, policial trapalhão, mistura tudo com o suspeito e a testemunha
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Os turnos dos plantões daquela delegacia eram de 24 horas, iniciando às 8h de um dia e indo até as 8h do dia seguinte. Havia também o pessoal do expediente, que se dividia entre várias seções, sendo uma delas a afamada SRD (Seção de Repressão às Drogas). No entanto, por brincadeira de algum colega não identificado, os componentes da SRD também eram chamados de vira-latas, ainda mais depois que o Santana, cana das antigas, verdadeiro cachorrão, foi designado para trabalhar ali.
O plantão naquele dia parecia tranquilo, até que os agentes da SRD entraram na delegacia conduzindo um indivíduo. Santana vociferava alto que o sujeito era criminoso da mais alta periculosidade. Tamanho rebu chamou a atenção da delegada Laura, uma finesse de pessoa. Ela foi informada sobre a situação, que, dependendo das provas, poderia se tornar flagrante.
— Santana, tem alguma testemunha?
— Se não tiver, a gente arruma, doutora.
A delegada, que já conhecia a fama do Santana, ordenou que outros policiais, a Ana Luísa e o Felipe, buscassem alguns populares para que fossem colocados ao lado do suspeito na sala de reconhecimento. Enquanto isso, o Santana deveria arrumar a tal testemunha do suposto delito.
Quase uma hora após, Ana Luísa e Felipe apresentaram dois transeuntes, cujas características físicas se assemelhavam com a do suspeito. Eles foram colocados na sala de reconhecimento. Nisso, surgiu o Santana com um rapaz e, em seguida, o apresentou à Dra. Laura.
— Tá aqui a testemunha, doutora.
A delegada, então, acompanhou a testemunha até uma sala em frente de outra, onde estavam o suspeito e os dois transeuntes. Ela disse para que a testemunha apontasse para o suposto traficante. O rapaz olhou para cada um dos homens por detrás do vidro espelhado, mas não conseguiu apontar o autor do tráfico.
Sem uma prova testemunhal, a delegada mandou soltar o suspeito e liberar os populares. Depois, virou-se e retornou para a sua sala. O Santana, com a costumeira cara de nenhum amigo, nem tentou disfarçar seu desapontamento. Ele se virou para a testemunha e resmungou.
— Fique aqui, que vou liberar os caras. Depois te libero para que eles não saibam quem é você.
Assim que foi liberado, o suspeito sorriu debochadamente para Santana, que teve que segurar seus ímpetos violentos. Ele bufou duas ou três vezes, enquanto os transeuntes trataram de sair logo da delegacia.
Santana, prestes a dar uma bifa no suposto traficante, voltou a si quando sentiu um irresistível aroma de carne assada. Foi aí que a ficha caiu. Era final de mês e, como de costume, havia o churrasco da galera na delegacia.
O resto do dia foi sem maiores imbróglios, até que apenas os plantonistas ficaram. A noite se tornou madrugada e, então, uma voz vinda lá do fundo ecoou por toda a delegacia. Pedrito pulou da cadeira e quase levou um tombo.
— Ouviu isso, Ricky?
— Deve ser alguém gritando lá de fora.
Pedrito, acompanhado do agente Ricky Ricardo, foi até a frente da delegacia, mas não encontrou nada. Os policiais retornaram para o balcão de atendimento quando, então, ouviram nitidamente uma voz masculina.
— Quero ir ao banheiro!
Ricky Ricardo e Pedrito olharam para trás e constataram que a misteriosa voz vinha lá dos fundos da delegacia. Os policiais trataram de sacar suas pistolas e, cautelosamente, rumaram para o desconhecido. Ricky Ricardo, que era o chefe do plantão, tentando intimidar qualquer possível agressão, usou sua poderosa voz.
— Quem tá aí?
— Ô, seu polícia! Sou o Francisco.
— Que Francisco, rapaz?
— Sou o Francisco que trabalha no bar do Bira.
— E o que você tá fazendo aqui?
— Foi o agente Santana que me deixou aqui. Ele falou que eu precisava reconhecer um cabra.
— Que cabra?
— Sei lá! Ele apenas me disse que era um cara magro e de bigodinho.
— E você reconheceu?
— Como, seu polícia? Era tudo magrinho e de bigodinho.
Grande conhecedor das atrapalhadas do Santana, Ricky Ricardo tratou de liberar o rapaz, antes que a situação descambasse para algo pior. No entanto, antes de ir embora, a testemunha deu aquela aliviada no banheiro, empesteando toda a delegacia até o final daquele plantão.
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Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’
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