São Paulo sem água na reserva ficará com as torneiras secas
Publicado
emO Brasil é – ou era – conhecido como o país do futebol. Muita gente não sabe, mas o Brasil é também conhecido no mundo como o país das águas.
O resultado da partida contra o organizado e disciplinado time alemão surpreendeu o país e o mundo. Da mesma forma, todos estão surpresos hoje com a crise da água que vivemos no país – de escassez em alguns Estados e excesso em outros.
A população se questiona o porquê de a Região Metropolitana de São Paulo chegar ao atual nível de risco de desabastecimento de água. Como uma região responsável por 12% do PIB do país e com uma população de cerca de 20 milhões de habitantes tem o seu principal sistema de reservatórios utilizando o seu volume morto, com capacidade de ofertar água por mais três meses somente?
A resposta a essas questões tem semelhança à resposta de “por que uma seleção de futebol pentacampeã sofre um vexame como uma derrota por 7 a 1?”. Temos que jogar com a água de forma conservadora, como no futebol de hoje.
Se o tema da água estivesse na agenda política dos governos estaduais e do governo federal, e se a atitude fosse mais conservadora no sentido de não contar com precipitações abundantes em época de seca, talvez não estivéssemos em situação tão crítica quanto a da atualidade.
Assim como a queda de um avião não acontece em função de um único defeito, a crise da água vivida em São Paulo tem outros fatores que vão além da falta de prioridade por parte das autoridades governamentais ao tema da água.
Basicamente, a crise atual pode ser explicada por três fatores principais: uma situação climatológica absolutamente anormal, um padrão de consumo de água incompatível com a oferta e obras de infraestrutura hídrica que não foram implementadas tempestivamente.
A média das vazões afluentes aos reservatórios do sistema Cantareira observadas desde 1930 no período de chuvas (outubro a março) foi de aproximadamente 50 m3/s.
O período mais seco observado antes do período de 2013-2014 foi o de 1962-1963, com uma afluência média de 26 m3/s. Ou seja, quase metade da média observada em 84 anos de dados.
Já na presente crise foi observada uma afluência média de 16 m3/s. Equivale a dizer que a afluência média na atualmente foi 68% menor do que a média do período de 84 anos, e perto de 40% da mínima observada nos registros históricos.
Trata-se, portanto, de uma situação absolutamente anômala. Era de se esperar que o sistema seria estressado em função do fato de que não se utiliza situação tão improvável como essa no dimensionamento dos reservatórios.
A população da Região Metropolitana, em função de nunca ter sido exposta à escassez de água, tem um padrão de consumo de quase 200 litros por habitante por dia. Esse índice nos coloca entre os 12 maiores consumos per capita do mundo, ao lado de Estados Unidos, Japão e Alemanha.
Acontece que nos países desenvolvidos a infraestrutura existente traz uma oferta de água que permite consumos tão expressivos. Isso não significa que eles não devam ser mais eficientes e parcimoniosos no uso da água.
A situação crítica na Califórnia, por exemplo, levou o poder público a impor limites de consumo com pesadas multas a quem passar do limite. Isso tem reduzido significativamente o consumo per capita naquele Estado americano.
Nos planos de recursos hídricos para a região dos anos de 1967 (Hibrace), 1995 (Hidroplan) e 2013 (Macrometrópole), um conjunto de obras foi previsto para aumentar a oferta de água. Entre elas, obras de pequeno porte, como as transposições do rio Juquiá, na vertente marítima da Serra do Mar (4,7 m3/s), e do rio Jaguari, afluente do Paraíba do Sul (5,0 m3/s).
A primeira ainda está em desenvolvimento, com previsão de entrega além de 2018, e a segunda ainda está no papel e em conflito de natureza política entre os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
Obras de maior porte, que poderiam resolver de forma sustentável a oferta de água na região, como a transposição do rio São Lourencinho ou do reservatório de Jurumirim no rio Paranapanema, não parecem estar na agenda.
É importante observar que, mesmo com a implantação de toda a infraestrutura hídrica prevista nos planos, a situação de oferta de água na atual crise não seria normal. Os critérios de dimensionamento dos reservatórios não levam em conta eventos tão extremos. Caso levassem, o custo das obras seria além da capacidade de pagamento de qualquer empresa ou governo.
O internauta poderá se perguntar: será que a próxima estação chuvosa terá precipitações perto dos valores médios observados no passado? A resposta a essa pergunta não pode ser dada com certeza. A climatologia é uma ciência que ainda não tem condições de prever a tão longo prazo com a segurança que a população gostaria de ter.
Portanto, qual a solução para a crise da água a curto prazo? Infelizmente, neste momento só podemos atuar na redução da demanda. Ou seja, assim como no futebol sempre sobra para o torcedor, no caso da água vai sobrar para o consumidor.
Benedito Braga