Sarita, desde menina, se destacava das outras crianças pelas coxas grossas, herdadas certamente da mãe, já que o pai possuía um par de cambitos, que pareciam dois gravetos prestes a se quebrar. Criança que era, não ligava para tamanho atributo. Queria correr, pular, brincar com a gurizada da rua.
Veio a adolescência e, com ela, certo incômodo por tantos olhares, alguns de inveja, outros tantos de admiração. Tanto é que Sarita, no afã de querer esconder o que lhe era mais belo, abandonou as saias e os shortinhos. Apenas vestidos castos e calças folgadas para não mostrar aquele par de colunas torneadas, que fariam Michelangelo desejar eternizar em mármore.
Aos 20, começou a enxergar com outros olhos aquela perfeição que sustentava seu corpo, que também fazia jus à alcunha de Deusa da Luxúria, que fora dada por um dos tantos admiradores. Seu nome, aliás, era Aníbal, um pintor de quadros sem muito talento, mas repleto de imaginação.
O homem, um solitário por natureza, trabalhava no cartório ali da Asa Norte. E, por conta desses acasos da vida, Sarita precisou de um favorzinho para conseguir documentação para resolver pendenga de pouca monta. E lá foi a moçoila tentar a segunda via de uns papéis. O problema é que a garota, certamente por desconhecimento, não sabia que não era naquele, mas sim no cartório de Taguatinga, conforme lhe explicou a atendente.
Triste com a descoberta, Sarita já estava quase conformada que precisaria gastar um bom tempo para se deslocar até a cidade satélite, quando, surgido não se sabe de onde, apareceu o Aníbal. Ela o conhecia de algum lugar, mas não se recordava de onde, apesar de serem vizinhos de porta no edifício ali na 709 Norte. Por sorte, ele escutara o que a colega havia dito para Sarita.
— Vou dar um jeitinho. Tenho um amigo que trabalha no cartório de Taguatinga. Ele me deve alguns favores. Você pode passar aqui na sexta-feira para pegar a sua certidão.
Sarita, pega de surpresa, agradeceu.
— Muito obrigada. De onde mesmo nos conhecemos?
— Somos vizinhos.
A garota tentou disfarçar a surpresa por tamanha revelação. Estendeu a mão para Aníbal e, em seguida, saiu desfilando toda aquela exuberância.
Na sexta-feira seguinte, conforme combinado, a documentação chegou às mãos de Aníbal. Só que Sarita, a maior interessada, parece que se esqueceu, pois não apareceu no cartório. O homem pensou que, talvez, ela fosse aparecer na segunda-feira, coisa que não aconteceu. Nem na terça ou mesmo na quarta. Chegou a sexta-feira e nada da Sarita.
Aníbal, decidido, pegou o documento e o meteu num envelope. Não custava nada entregá-lo em mãos para Sarita. Afinal, eram vizinhos.
Assim que chegou ao prédio, o rapaz se dirigiu ao apartamento em frente ao seu. Não tardou, Sarita abriu a porta com o sorriso mais lindo. Ela agradeceu e perguntou quanto era pelo serviço. Aníbal disse que não era nada, momento em que a mulher já ia fechando a porta, mas, defronte que estava ao apartamento do gajo, percebeu algumas telas.
— Você é pintor?
— Sou. Quer dizer, gosto de pintar, mas nunca consegui vender um quadro.
Sarita, talvez por gratidão ou, então, por pena, disse que as pinturas eram boas. Chegou ao exagero de classificar como obras de arte, especialmente a imagem de uma mulher de biquíni na piscina.
— Quem é?
— Ah, essa é uma ex-namorada.
— Bonita.
— É.
— Você bem que poderia me pintar.
Aníbal ficou maravilhado com a proposta da sua Deusa da Luxúria. E, para não perder a chance, disse que poderia começar a pintá-la naquele momento. Sarita, toda envaidecida, concordou.
Meia hora após, lá estava a mulher apenas de blusa e shortinho minúsculo sentada em um banco alto. O artista, suando em bicas, procurava captar cada centímetro daquele mulherão. Nisso, Sarita, percebendo que Aníbal não tirava os olhos de suas pernas, disse:
— Ei, taca tinta aí! Mamãe sempre me disse que nasci rica das coxas.
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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