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Saúde manifesta preocupação com partos ‘apressados’

Dos 287.166 partos realizados através de planos de saúde privados em 2019, 84,76% foram por cesariana. O dado consta no Painel de Indicadores de Atenção Materna e Neonatal, atualizado  pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Ele apresenta números nacionais que podem ser consultados por qualquer interessado e filtrados por operadora e por hospital ou maternidade.

O painel mostra que 56,71% das cesáreas foram realizadas antes do início do trabalho de parto. Para a ANS, é um dado que aponta para um cenário preocupante. “Segundo resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), uma cirurgia cesariana antes do início do trabalho de parto deveria acontecer apenas depois das 39 semanas de gestação”, diz a agência em nota.

De acordo com a ANS, o bebê está pronto para nascer com 40 a 42 semanas. O maior percentual de cesáreas (37,29%) ocorreu em mulheres com idade gestacional entre 37 e 38 semanas. “Bebês nascidos abaixo de 39 semanas têm mais chances de apresentar incapacidade de manutenção da temperatura corporal, imaturidade pulmonar e maior dificuldade de sucção do leite materno”, acrescenta a nota.

Em 2018, um estudo publicado na revista científica Lancet comparou a taxa de cesáreas em diferentes países. O Brasil ficou atrás apenas da República Dominicana. As cesáreas, realizadas tanto pelos serviços privados como pelos públicos, representavam 55,5% do total de partos no país. A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que, em termos populacionais, não são verificados benefícios para a saúde de mães e bebês quando as taxas são superiores a 10%.

“Dados da pesquisa Nascer Saudável realizada pela Fiocruz [Fundação Oswaldo Cruz] demonstram que a maioria das mulheres inicia o pré-natal optando pelo parto vaginal e mudam de opinião ao longo da gestação. As principais causas determinantes da elevada proporção de cirurgias cesarianas no Brasil incluem a forma atual de organização da rede de hospitais, que não favorece o parto vaginal, o modelo de remuneração baseado na realização de procedimentos, a preponderância de uma cultura médica intervencionista e as características psicológicas e culturais das pacientes, dentre outras”, avalia a ANS.

Através do Painel de Indicadores de Atenção Materna e Neonatal, é possível comparar as taxas de cada operadora. A ferramenta também permite obter recortes específicos por localidade, faixa-etária, escolaridade e raça das gestantes. Roraima, Rondônia, Rio Grande do Norte e Piauí são os estados que registraram as maiores taxas.

A ANS observa que as informações disponibilizadas ainda não permitem avaliar possíveis impactos da pandemia de covid-19, pois nem todas as bases de dados usadas para alimentá-lo abarcam o período de 2020 e 2021. A última atualização havia ocorrido em dezembro de 2019, quando o painel foi criado. Na ocasião, os dados sobre os partos abarcavam até os anos de 2017 e de 2018. Não houve uma variabilidade significativa nos percentuais. Em 2018, 85,24% dos partos realizados através de planos de saúde privados foram cesarianas.

Um indicador que teve variação positiva refere-se ao percentual de partos vaginais acompanhados por enfermeiro ou enfermeira obstetra. Esses profissionais são capacitados para avaliar o bem-estar da mãe e do bebê em diferentes níveis. Em 2019, eles atuaram em 10,76% dos partos vaginais. Em 2018, esse percentual foi de 10,01% e, em 2017, de 8,46%.

Na última atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, a ANS incluiu consultas com enfermeiro obstetra durante o pré-natal. Desde abril deste ano, os planos são obrigados a garantir esse atendimento. Estudos da Fiocruz apontam que a atuação da enfermagem obstétrica propicia maiores cuidados, contribuindo para a diminuição das intervenções desnecessárias no trabalho de parto, para a obtenção de melhores resultados psicossociais e para a redução de óbitos maternos e infantis.

Parto adequado
A criação do Painel de Indicadores de Atenção Materna e Neonatal em dezembro de 2019 foi um desdobramento do Movimento Parto Adequado, campanha nacional articulada pela ANS em parceria com o Institute for Healthcare Improvement (IHI) e com o Hospital Israelita Albert Einstein. A iniciativa também conta com o apoio do Ministério da Saúde, da Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras (Abenfo) e da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

A campanha busca, com base em evidências científicas, reverter o volume de cesarianas desnecessárias realizadas no país. Desde 2015, estão sendo desenvolvidas diversas ações em favor da qualidade da atenção materna e neonatal, entre elas audiências públicas, construção de espaços que garantam o protagonismo das mulheres na discussão e construção de coalizões com os principais atores em torno do tema.

O lançamento do painel foi pensado com o intuito de reunir dados que contribuam para se pensar a regulação realizada pela ANS e favoreça o acesso de informações precisas e qualificadas para pesquisadores, imprensa e sociedade em geral. Ele foi organizado como parte da fase 3 do Movimento Parto Adequado. Nessa mesma fase, foi criado no ano passado um selo para certificar a operadoras de planos de saúde que cumprissem alguns requisitos pré-estabelecidos.

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