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Lembrando o poeta

Schmidt, que criou para JK o famoso 50 anos em 5

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Autor/Imagem:
Daniel Marchi de Oliveira - Foto Reprodução/Arquivo Nacional

Folheando aleatoriamente a coletânea de crônicas “As Florestas”, de Augusto Frederico Schmidt, me deparo em mais de uma ocasião com a preocupação do poeta quanto à memória e sobre quem se lembrará dele anos após seu desaparecimento deste mundo. Schmidt nasceu no Rio de Janeiro, em 18 de abril de 1906. Na infância, morou na Suíça, onde seus pais andavam às voltas com tratamentos contra a tuberculose.

Morto seu pai, a família regressou ao Brasil, onde Schmidt teve uma vida modesta, residindo na Boca do Mato, estudou no internato do Granbery, em Juiz de Fora, Minas Gerais e, afinal, fixou-se com a mãe e os avós em Copacabana. Foi caixeiro em loja de tecidos e gerente de serraria em Nova Iguaçu, sempre demonstrando muito talento para os negócios.

Embora não tenha pertencido exatamente a nenhum grupo em seu tempo de juventude, hoje é classificado como poeta da segunda geração do Modernismo. Além de versos, fazia política (boa política, diga-se de passagem), e foi muito próximo de JK durante seu governo e após ele. Como autor dos discursos presidenciais, atribui-se a Schmidt a criação do lema de governo, “50 anos em 5”. No período, foi embaixador do Brasil perante a comunidade europeia, e criou a Operação Panamericana, com o objetivo de promover o desenvolvimento econômico dos países da América Latina.

Outra coisa que o poeta fez foi sucesso no mundo empresarial e das finanças, tendo sido presidente do conselho de importante indústria química e o responsável por trazer ao Brasil o conceito de supermercado com autosserviço, algo que conheceu nos Estados Unidos, fundando entre nós os supermercados Disco, no então Estado da Guanabara.

Como cronista, Schmidt reproduziu em vários jornais e revistas a temática de sua lira: as pessoas ausentes, o amor de outrora, a morte, a solidão, a finitude da vida. Sempre em tom melancólico e saudoso, Manuel Bandeira, seu amigo de longa data, atribuía aos seus poemas uma dimensão bíblica e profética, embora dissesse que o amigo jamais houvesse tido a virtude de fazer um soneto dentro da métrica.

Foi esse mesmo Bandeira que, num verão carioca nos anos 20, aconselhava a Schmidt, suarento e desajeitado dentro de um terno modesto, com o colarinho aberto, fazer regime para perder peso e, assim, ter o sucesso com mulheres que invejava em seus amigos.

Além de Bandeira, Schmidt teve muitos outros amigos literatos, e era sempre generoso e gentil com eles. Paulo Mendes Campos conta sobre quando o viu pela primeira vez. Depois de longa amizade epistolar, o escritor mineiro foi ao Rio para uma olimpíada universitária. Estando num bar com colegas, telefonou a Schmidt, que logo chegou a bordo de um automóvel fabuloso, vestindo um elegante terno azul com um cravo vermelho na lapela. Pediu ao garçom um complicado sorvete e discorreu por meia hora sobre futebol para o então jovem Campos e seus acompanhantes.

O mesmo escritor relata que, quando da visita de Pablo Neruda ao Brasil em 1945, o grupo de amigos que o acompanhavam pela noite do Rio incluía Schmidt. No final, o poeta convidou a todos para que subissem ao seu apartamento, num andar da rua Paula Freitas, em Copacabana, e lá explorassem sua variada adega. Campos se recorda de Schmidt comendo uma tangerina, perguntando a Neruda, que sorvia um fino vinho francês, se, no mundo de amanhã, seria dado a todos beber um vinho como aquele, ao que o chileno respondeu, com sua poderosa e firme voz, “si, ciertamente”.

Por curto período, Schmidt teve uma editora com seu nome, a qual foi responsável por lançar obras clássicas da literatura nacional, como “Casa Grande e Senzala”, de Gilberto Freyre, “Caminho para a distância”, de Vinicius de Moraes, e “Caetés”, de Graciliano Ramos. Ao ser apresentado a Vinicius por um amigo em comum para negociar a publicação da obra, Schmidt olhou-o de cima a baixo e disse “mas é uma criança…” Vinicius ficou ofendido com a desconfiança, mas logo formou-se entre ambos uma grande amizade que durou toda a vida. No fim dos anos 70, Vinicius, conversando com João Condé, colunista e repórter, disse: “poeta mesmo foi o Schmidt.”

Schmidt amou várias mulheres e casou-se com Yedda Lemos, sobrinha de Jayme Ovalle, em 1936. Em alguns poemas, demonstra a tristeza por não ter tido filhos, falando sobre o berço vazio e sobre os seus traços que ninguém herdou. Numa de suas crônicas, relata haver invejado uma cena vista de seu apartamento, observando a janela da habitação vizinha. No outro lado da rua, num andar mais baixo, o filho se preparava para dormir quando foi abraçar o pai. E ele sentiu que aquele homem era o mais rico dentre todos os homens, pois ganhava o afeto de seu filho.

Durante o inventário de Dona Yedda, no entanto, acabou aparecendo contra o espólio uma reivindicação de paternidade por parte da filha de uma ex-empregada de importante jornalista e colunista social carioca. Talvez os traços do poeta tenham, sim, sido passados para a posteridade, através de uma filha com a qual ele não conviveu… O assunto está sendo tratado pelos tribunais.

O poeta, sempre gordo e sempre de óculos, por muitos anos teve um galo de estimação. Um galo branco, enorme, hierático, misterioso, sempre a espreitar no escuro quando, antes da hora da alba, o homem de negócios misturado ao escritor já perambulava pelo apartamento pronto a escrever e pensar o bem do Brasil, que desejava ver independente e desenvolvido. Morreu triste com a situação do país, num abafado dia de verão, em 8 de fevereiro de 1965, e seu corpo está sepultado no cemitério São João Batista. Pouco tempo depois, foi homenageado pelo governo da Guanabara, tendo o viaduto próximo do Corte do Cantagalo recebido seu nome, bem como uma escola municipal no Engenho de Dentro.

É esparsa a literatura existente sobre Augusto Frederico Schmidt nos dias de hoje. Penso que o mercado editorial brasileiro está devendo uma boa reedição de suas obras poéticas, que poderiam ser negociadas com a Fundação Yedda e Augusto Frederico Schmidt, detentora dos direitos, reunidas pela última vez em volume único em 1996.

Uma biografia romanceada e algumas coletâneas de prosa foram lançadas há alguns anos, aproveitando o retorno de seu nome à mídia quando a Rede Globo lançou a minissérie “JK”, em 2006, na qual Schmidt foi belamente interpretado por Antônio Calloni. Só a vida do poeta daria um filme. O jornalista Waldir Ribeiro do Val, secretário e revisor de Schmidt por alguns anos, é autor da excelente obra “Vida e Poesia de Augusto Frederico Schmidt”, de 2020.

Estamos em 2023, e a preocupação do poeta de não ser esquecido felizmente jamais se concretizou. Ele continua vivo, sendo lembrado, sendo lido por vários admiradores seus que levarão ao futuro versos como “se os meus lábios de morto se abrissem/permitindo que a minha voz de morto despertasse/que as minhas mãos de morto retomassem a força perdida/poderia então partir/daquilo que fui/o grito de alerta/o grito de espanto/o apelo à vida/de quem se afogou/nas mesmas águas/em que o Deus da misericórdia caminhou tranquilo.

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