Carlos Orsi
Nair Assad, Edição
Em Brasília, pais e autoridades de políticas de defesa da criança e do adolescente, e policiais, estão com as antenas ligadas; em Curitiba, a prefeitura emite alerta diante de tentativas de suicídio de jovens. Em Goiânia, são investigados casos de automutilação; e nas cidades de Belo Horizonte, Pará de Minas e Arcoverde são apuradas mortes suspeitas com o mesmo perfil.
Esse o quadro, resumido, da chegada do Baleia Azul ao Brasil, uma espécie de jogo virtual que teoricamente coloca vidas em risco. A preocupação é tanta, que o Ministério da Justiça acionou a Polícia Federal para investigar o jogo virtual que teria relação com esses e outros casos recentes de suicídios e automutilações pelo país.
Relatos sob investigação no Brasil em abril de 2017 citam adolescentes vulneráveis que estariam sendo encorajados a retirar a própria vida por meio de uma série de desafios online.
Sabe-se que esses desafios, conhecidos como “jogo da Baleia Azul”, tiveram origem em 2015 nas redes sociais da Rússia e se espalharam pela Europa nos últimos dois anos.
Na Rússia, as mortes de alguns adolescentes foram relacionadas ao jogo – embora não haja confirmação sobre esses relatos.
A ideia é que indivíduos estariam sendo convidados a completar um número de tarefas em 50 dias. As tarefas ficariam cada vez mais danosas à pessoa e terminariam com um desafio ao suicídio.
Há preocupação que a ideia esteja se espalhando pelo mundo – e pelo Brasil – por meio de redes sociais.
Mas como diferenciar o que é fato e boato nessa história, que por muitas vezes assume contornos de lenda urbana? Com questionamentos sobre a própria existência do desafio, e sem conexões comprovadas entre as mortes da Rússia e o jogo, quão preocupados devemos estar?
O que é – Há certa confusão sobre a origem do nome, mas acredita-se que seja uma referência a um comportamento de certas baleias azuis, que aparecem em praias e morrem encalhadas.
O nome estaria sendo usado por grupos de pressão na internet, que indicariam um “curador” ou “administrador” que encorajaria participantes a completar testes em 50 dias.
As tarefas iriam de demandas simples, como assistir um filme de terror, a pedidos mais sinistros, como automutilações e suicídio.
Infelizmente é comum que grupos em redes sociais atraiam adolescentes, causando danos à saúde mental desses jovens.
Origem dos grupos – O primeiro elo nessa cadeia de eventos foi o suicídio, em novembro de 2015, da adolescente russa Rina Palenkova, de 16 anos. Fotos publicadas pela jovem antes do ato, a mensagem de despedida e supostas fotos do corpo viralizaram no Vkontakte, ou VK, espécie de Facebook russo.
O VK permite que usuários faturem atraindo tráfego para comunidades online criadas dentro da rede social. Com isso, alguns viram oportunidade de negócio no apetite de adolescentes por imagens e informações sobre o suicídio de Rina.
Assim surgiram os chamados “grupos da morte” da web russa. Esgotado o material autêntico sobre a jovem, tais grupos começaram a produzir ações interativas baseadas em narrativas fictícias – incluindo a de que Rina teria integrado uma seita secreta e sido a primeira a cumprir as etapas de uma “missão” que teria culminado no suicídio.
Do underground ao escândalo – Esses grupos deixaram de ser um fenômeno underground e se transformaram em escândalo na sociedade russa com a publicação, em maio de 2016, de uma reportagem-denúncia pelo jornal Novaya Gazeta, conhecido pelas críticas ao Kremlin.
A reportagem trazia o depoimento de uma mãe de uma menina de 12 anos que se suicidou. A mãe dizia ter investigado a tragédia e descoberto o elo da filha com os grupos.
Oscilando entre indignação emotiva e sensacionalismo, o material afirmava que “ao menos 80” entre 130 suicídios de jovens supostamente registrados na Rússia de novembro de 2015 a abril de 2016 envolviam vítimas que participavam desses grupos.
A reportagem provocou comoção, mas também críticas. Algumas diziam, por exemplo, que os números citados careciam de fontes e que administradores dos “grupos da morte” não tinham sido ouvidos.
Outros veículos da imprensa russa entraram na história e produziram outros relatos. Supostos curadores de “grupos da morte” consultados disseram que o objetivo era atrair jovens com tendências suicidas, e então dissuadi-los; outros, que tudo não passava de uma arapuca financeira.
Um dos curadores citados pela Novaya Gazeta , Filipp Budeikin, de 22 anos, disse que tudo não passava de “piada”. Em suas comunidades, contudo, Budeikin se referia aos jovens como “lixo biológico” a ser eliminado. Ele acabou preso em novembro de 2016, acusado de incitar pelo menos 15 suicídios, e aguarda julgamento.
Segunda onda – A imprensa russa voltou a mencionar o fenômeno no início deste ano, citando um surto de buscas online, nos países da antiga União Soviética, por expressões como “baleia” e “baleias azuis”, e a emergência da hashtag #ojogo na rede social VK.
Ao mesmo tempo, reportagens do site americano de checagem Snopes e do grupo Radio Free Europe/Radio Liberty concluíram que não havia evidências que ligassem atos de violência na Rússia – suicídio ou agressões a terceiros – ao jogo virtual.
A Radio Free Europe, por exemplo, descreveu um mundo em que os dois lados do jogo pareciam não levar nada muito a sério – “curadores” que pediam dinheiro em vez de tarefas mórbidas e “vítimas” que se inscreviam por brincadeira .
Também no começo de 2017, o assunto chamou a atenção de tabloides britânicos, como Daily Mirror e The Sun, que resgataram o material original da Novaya Gazeta. Assim a história chegou ao Ocidente.
A narrativa começou a atrair atenção no Brasil no início de abril, provocando preocupações e um furor midiático semelhante aos observados na Rússia e em ex-repúblicas soviéticas.
Para o pesquisador americano Benjamin Radford, autor de livros sobre lendas urbanas, a situação tem “todas as características de um pânico moral”, nome dado por cientistas sociais a temores que se espalham de modo irracional.
Radford identifica nessa tendência elementos familiares a outros casos de medo coletivo: uma ameaça tecnológica a crianças e adolescentes; a situação clássica de “forasteiro perigoso”, em que a ameaça parte de um estranho manipulador; e o elemento de teoria da conspiração.
“Há pouca evidência de que o jogo já tenha causado algum suicídio, ou mesmo que exista”, disse ele, embora reconhecendo que a história em torno do jogo seja algo “possível”.
Na última semana, o ministro da Justiça, Osmar Serraglio, atendeu pedidos do prefeito de Curitiba, Rafael Greca, e de quatro deputados federais para que a Polícia Federal investigue o jogo Baleia Azul.
Segundo o Ministério da Justiça, há relatos sobre adesão e vitimização de adolescentes que aceitaram desafios propostos pelo jogo em Estados como Paraná, Minas Gerais, Pernambuco, Maranhão e Amazonas. Ainda não há prisões relacionadas aos casos.
É para se preocupar? – Embora autoridades na Rússia e no Brasil estejam investigando possíveis elos entre o suicídio de adolescentes e grupos de pressão na internet, não há relatos confirmados de ligação com o jogo da Baleia Azul.
O que a policia procura nessas investigações são conversas prévias entre as vítimas e usuários de redes sociais que possam ter influenciado as ações. No Brasil, incitação ao suicídio é crime com pena de dois a seis anos de prisão, em caso consumado.
Também há relatos de casos de suicídio em investigação na Ucrânia, Casaquistão e no Quirguistão, com foco com grupos online.
Identificando sinais – Grupos como a organização britânica de proteção à criança NSPCC oferecem conselhos sobre como detectar sinais de assédio online de crianças e práticas de construção de conexão emocional para obtenção de confiança – e também sobre como proteger a criança do avanço dessas situações.
Há uma série de possíveis sinais, mas eles não são óbvios porque criminosos costumam procurar a discrição para evitar serem detectados.
Entre os sinais e comportamentos mais comuns a serem observados são crianças que:
- ficam com muitos segredos, sobretudo sobre o que fazem na internet;
- estão passando muito tempo na internet e em redes sociais;
- mudam a tela de visualização quando alguém se aproxima;
- ficam caladas ou com raiva após usarem a internet ou enviarem mensagens de texto;
- possuem muitos números de telefone e e-mails novos no celular.
O que fazer – O Ceop, agência do governo britânico de combate à exploração infantil online, ressalta que às vezes a mudança de comportamento da criança é algo completamente normal, e que é importante não reagir de modo exagerado.
Ter uma conversa calma e aberta, diz a agência, é uma maneira eficaz de determinar as causas de qualquer mudança de comportamento, lidando com preocupações de maneira franca e oferecendo suporte e apoio moral.
Um programa educacional preparado pela organização ThinkUKNow também diz ser importante deixar claro ao jovem que qualquer conversa não irá resultar em punição. Segundo a ONG, crianças costumam evitar relatar sua preocupação caso acreditem, por exemplo, que seu acesso à internet será restringido.
Outro grupo de aconselhamento britânico, o Get Safe Online, diz ter conhecimento dos relatos “horríveis” relacionados ao jogo e lamentou que grupos estejam dispostos a “abusar dessas plataformas (redes sociais)”.
Tony Neate, executivo do grupo, afirma que o diálogo é essencial para enfrentar questões de pressões de grupo caso a criança esteja “agindo estranhamente”.
“Isso permitirá a criança dar um passo atrás, para longe das pressões”, diz ele, acrescentando que isso ajudará o jovem a perceber que não se trata de “algo que eles tenham que seguir”.