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Se o caso é ser maior aos 16, saída é entrar no tráfico bem mais cedo

Caro Eduardo Cunha,

Eu sou o cara que o senhor pediu para te escrever lá no culto. Tenho 16 anos, tava vendendo bala na porta da Igreja e o senhor estava sem tempo e falou que precisava checar os seus e-mails, lembra? Prometo ser breve, não vou roubar o seu tempo.

Aliás, não pretendo lhe roubar nada, apesar de ser negro, 16 anos e estar na rua na hora que deveria estar estudando. Pois é, seu Eduardo, é justamente sobre isso que eu queria conversar.  Eu tenho cinco irmãos, sou o mais velho e, como minha mãe não conseguiu vaga no colégio perto de casa para os dois mais novos, eu preciso sair para tirar uma grana e ajudar a comprar comida pros moleques. Eles ficam em casa com a minha irmã de 12 anos e, de vez em quando, a gente sai com eles na rua para dar uma distraída, sabe? Porque lá na comunidade é só tiro e às vezes a gente fica com medo também, e não consegue mais inventar história de super-herói para eles acreditarem.

A gente tem uma televisão, os caras da biqueira colocam uns canais maneiros para a gente assistir, mas às vezes era melhor não ter, porque os moleques estão pedindo Mc Lanche Feliz quase todo dia e a grana do sinal não tá dando nem para comprar macarrão – tá tudo cada dia mais caro!

E agora não tem mais o lanche da escola para dar uma enganada no estômago, mas vamos ver se no ano que vem a minha mãe consegue faltar um dia no trabalho para ficar na fila e garantir a vaga dos pequenos.

Ah! Isso aqui? Não é uma faca não, pode ficar tranquilo! O nome disso é clave, eu ganhei de um chileno gente boa, que me viu equilibrando as bolinhas de tênis no sinal. Ele falou que causava mais impacto que as bolinhas e que eu equilibro – o cara é meio doido, mas é gente boa. É assim que eu tô tirando uma grana e, foi na rua que eu aprendi.

Meu pai era um cara legal, mas ele foi pego em uma invasão da polícia aqui no morro, e acabou morrendo em uma rebelião na cadeia. Tava superlotada, os caras entraram em guerra lá e ele não aguentou. Desde então minha mãe teve que dobrar as faxinas para dar conta de tudo sozinha, e a gente ajuda no que dá.

O senhor está querendo reduzir a maioridade penal, está querendo que com 16 anos a gente já possa ser preso, né? Eu não entendo como isso vai reduzir a violência, porque se a gente puder ser preso com 16, vai ter que entrar pro tráfico mais cedo também. E vai acabar morrendo ainda mais cedo.

Se o senhor quiser conhecer a minha casa, eu subo contigo no morro. Domingo tem feijoada na quadra da escola de samba, e eu tenho certeza que eles ficariam muito felizes em te receber. Daí o senhor aproveita e assiste o ensaio, conhece as oficinas e aprende o samba do ano que vem. Lá tem um monte de gente com 16 anos fazendo arte e ensinando a molecada. Aliás, seria ótimo que toda criança e todo jovem pudesse fazer arte e ensinar os mais novos.

*Este texto é ficcional. Qualquer semelhança com fatos ou pessoas reais é mera coincidência

Andre Rezende e Jefferson Barbosa

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