Luiz Carlos Merten
No Festival de Berlim, no ano passado, Wim Wenders contou como tudo começou. “Participei de uma premiação do Sundance e nosso grupo resolveu premiar o roteiro de um jovem norueguês muito talentoso, Bjorn Olaf Johannesson. Gostei do diálogo, do título, Nowhere Man. Ao lhe entregar o prêmio, disse que me enviasse quando tivesse outro roteiro pronto. Confesso que me esqueci. Passaram-se dois, três anos e Bjorn me mandou o roteiro de Everything Will Be Fine. Gostei tanto que acionei meu produtor e resolvemos levar o projeto adiante.”
Wenders está falando de Tudo Vai Ficar Bem, seu novo longa que estreou na quinta, 10, em São Paulo. Simultaneamente, o Caixa Belas Artes resolveu fazer um ciclo e todo dia, até 16, vai exibir, sempre às 18h20, obras importantes que ajudaram a esculpir a fama do autor alemão.
Você já perdeu Estado das Coisas, mas ainda tem tempo de (re)ver Movimento em Falso, Amigo Americano, Paris Texas, Tokyo-Ga, Asas do Desejo e Buena Vista Social Club. Todos esses filmes – e outros – ajudaram a construir o mito de Wenders como uma das referências do pós-moderno no cinema. Poucos diretores questionaram tanto as imagens, num mundo saturado delas. Wenders acumulou prêmios, prestígio. E aí, no começo dos anos 1990, as coisas começaram a se complicar.
Ele já tivera problemas com Francis Ford Coppola, que produziu Hammett, sua biografia romantizada do escritor Dashiell Hammett. Os problemas aumentaram quando os produtores trucidaram Até o Fim do Mundo. Wenders passou a seguir uma trajetória errática. Fez documentários, incluindo O Sal da Terra, sobre Sebastião Salgado, em parceria com Juliano Ribeiro Salgado, filho do fotógrafo, incorporou o 3-D (em Pina).
Algo agora se passa – a versão do autor, na montagem que ele queria, fez com que Até o Fim do Mundo fosse resgatado numa edição recente da revista Cahiers du Cinéma, que muitos ainda consideram uma das bíblias do cinema de autor em todo o mundo. Em chave intimista e ficcional, Wenders voltou à terceira dimensão, e o retorno dá-se justamente com Tudo Vai Ficar Bem. Wenders conta a história, agora em chave de pura ficção, de outro escritor. Thomas/James Franco provoca um acidente com morte, que terá desdobramentos. A vítima é um dos filhos de Charlotte Gainsbourg.
Em Berlim, o diretor disse o que o atraiu no roteiro de Bjorn Olaf Johannessen. “Interessou-me menos o fato de Thomas sentir ou não culpa, ou de ser culpado ou não, e muito mais o fato de incorporar a tragédia à sua criação, escrevendo um livro sobre ela. Tem um diálogo decisivo para mim, quando alguém diz a Thomas que a literatura dele melhorou muito depois do acidente. Charlotte, o irmão da vítima precisam reorganizar-se, superar a própria dor.”
Wenders explicou que já se havia inspirado em tragédias pessoais de sua família. “A base da personagem de Jeanne Moreau em Até o Fim do Mundo foi uma tia minha que ficou cega. Creio que nada me influenciou tanto para que eu me questionasse sempre sobre o significado e a importância das imagens. O bom do roteiro de Bjorn foi que, pela primeira vez, me permitiu abordar o tema com distanciamento.”
E Wenders acrescentou que, depois de muito tempo, ele está voltando a acreditar nas imagens. “Vivemos uma era de saturação, de imagens vulgares, que não dizem nada, e o cinema contribui muito para isso. A fotografia e a pintura têm me ajudado muito”, reflete o diretor. Particularmente importante foi a descoberta de Andrew Wyeth, um pintor norte-americano muito ligado à terra, ao concreto, ao cotidiano. “Ninguém pinta a neve como ele, e a neve, desde o começo, é decisiva em Tudo Vai Ficar Bem.”
Na produção recente de Hollywood, o 3-D virou a ferramenta das animações e dos blockbusters. Wenders a utiliza para filmar a intimidade. “A princípio, pensei que o 3-D me permitiria recriar a desorientação espacial e emocional dessas pessoas, projetando o espectador numa espécie de turbilhão. Depois, vi que não. Com duas câmeras que escrutinam o rosto dos atores, não há espaço para a falsidade.”
Wenders pode estar empolgado com seu elenco – Rachel McAdams também marca presença -, mas há um problema nisso tudo. O filme tem saltos de tempo. Passam-se quatro anos, mais quatro, mais dois. Os dez anos não passam pelo rosto de James Franco. Um ator mais maduro talvez ampliasse a voltagem emocional, e o filme talvez ficasse melhor.