Tal e qual um circo de lugarejos remotos, o Congresso Nacional, particularmente a Câmara dos Deputados, surpreende diariamente o povo brasileiro com novos, acrobáticos e personalistas espetáculos de horror. Semana passada, na calada da noite, em regime de urgência, os artistas da lona instalada no Salão Verde do Parlamento aprovaram um projeto que criminaliza a discriminação de políticos. A fome continua matando, o desemprego crescendo, os xenófibos, misóginos, racistas e homofóbicos permanecem soltos, mas suas excelências circenses não estão nem aí quando o abastado palco iluminado da casa do povo é armado para atingir os palhaços, também conhecidos por eleitores.
Entra ano, sai ano, mudam-se as moscas, os caranguejos se automutilam, os parasitas se canibalizam, os mágicos do dinheiro público fazem desparecer o que for preciso, mas, no fim e ao cabo, a nojenta palhaçada não muda. E o brasileiro parece gostar, pois raramente reage. E quando o faz é contra si próprio. O quebra-quebra de 8 de janeiro é a prova inconteste de nossa ignorância política. Naquela oportunidade, uns se juntaram violentamente para tentar derrubar a escolha pacífica de outros. Diante de tamanha imbecilidade, vale lembrar que direita ou esquerda só existem em nossas cabeças. No fim das contas, os políticos (pelo menos a maioria) já têm seu lado definido: o deles.
No caso do projeto aprovado a toque de caixa, com respaldo do presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), não há dúvida de que sua autora, Dani Cunha (União-RJ), e seus apoiadores confundiram política com politicagem. Às escondidas, praticaram a infame arte de enganar a sociedade para atender interesses particulares. Como, infelizmente, a política é reflexo do seu povo, eis o retrato do Brasil. De minha parte, não abro mão de minhas convicções sobre a limpeza da política. Sujas são as pessoas que a usam conforme suas conveniências. Eleitos pelo povo para trabalhar pelo povo, os deputados agem como deuses, pensam em tudo, menos no povo. Este é o lacaio que só serve para atendê-los a cada quatro anos. Agendam, mas nunca são atendidos.
Pelo contrário, correm o risco de prisão quando, a pretexto de se manifestar licitamente contra esse ou aquele projeto corporativo, são expulsos da galeria supostamente destinada aos eleitores inclusive. Filha do ex-deputado Eduardo Cunha (RJ), aquele mesmo de conduta, ações e gestos nada republicanos, a autora tem plena consciência do monstrengo que criou que, em um universo de 213,2 milhões de brasileiros, beneficiará 99 mil pessoas públicas e parentes considerados expostos politicamente. Brincadeira não fosse de caso pensado. Além de facilitar a vida do pai, envolvido até a alma em inquéritos ainda não esclarecidos totalmente, ela ajudará uma ruma de parlamentares e afins que, por exemplo, não conseguem empréstimos bancários ou são xingados em aviões e locais públicos por conta do passado nebuloso.
Azar o deles. Eu circulo livre e tranquilamente por onde quiser. Mas o que é de fato o “PL da Censura 2”? Aprovado por 252 senhoras e senhores deputados, inclusive alguns do PT, o projeto de lei tipifica uma série de crimes quando eles forem praticados contra políticos ou parentes por causa do cargo ocupado. Nessa louca lista estão incluídas o presidente da República, deputados, senadores, ministros de Estado, ministros do STF, membros do CN J, oficiais generais, dirigentes de partidos políticos, executivos de escalões superiores de empresas públicas e ocupantes de cargos governamentais de escalões superiores”. A pena prevê prisão de 2 a 4 anos e multa para os “criminosos”. Ou seja, vamos ter de engolir calados as patifarias dos homens públicos.
Absurdamente discriminatório, o texto deixou de fora os negros atacados por brancos, os negros que, por nada, têm pés e mãos amarrados por agentes de segurança, os pais de família que, em decorrência da fome, furtam carne, iogurtes e arroz em supermercados e os cidadãos de bem que, em defesa da democracia, são presos e torturados em nome da lei e da ordem. Curiosamente, são esses mesmos cidadãos que pagam o salário dos santos e sábios integrantes do caranguejal. A nós, mortais silenciosos, resta a certeza de que um dia a conta chega. E será salgada. E sabem quem rirá por último? Quem? Quem? Quem Quem? Quem? Eles, que aqui ou lá em cima, inventarão um novo projeto para mostrar que não temos lugar entre eles. Como disse o Barão de Itararé, quando pobre come frango, um dos dois está doente.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978