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Sem as garras da lei, candidato age como batedor de carteiras

No Brasil da velha e sórdida politicagem de interesses pessoais, de troca de favores e de realizações insignificantes, a cidadania e o bem-estar social é o que menos importa. Importante é que, apesar da tese Ulyssista de que a política é a arte do possível, candidatos e candidatas vendem a mãe e alugam os filhos para se elegerem. Para alcançar seus objetivos, os políticos prometem do improvável ao impossível. Sorte deles e azar dos eleitores com um mínimo de inteligência é que a maioria do eleitorado, incluindo pessoas intelectualmente capacitadas, sofre de um dos grandes males do século XXI: a força da alienação.

Politicagem é um câncer com metástase generalizada, mas é o que temos. A penalidade para quem radicaliza e se recusa a participar da política partidária de encruzilhada é acabar sendo governado por pessoas inferiores. Quando bem utilizada, a política pode ser a salvação de uma nação e de seu povo. Não é, nunca foi e jamais será o caso do Brasil, onde boa parte dos 214 milhões de habitantes esquece que político honesto é aquele que faz o que tem de ser feito. Prometer mundos e fundos em troca de votos é moralmente condenável. É pouco. A meu ver, promessas claramente infundadas deveriam ser criminalizadas.

Na campanha municipal que se aproxima, uma dessas aberrações vem ocorrendo na minha cidade do Rio de Janeiro. Irresponsável e descaradamente, o deputado Alexandre Ramagem, candidato do PL, o mesmo do governador do Estado, Cláudio Castro, jura de pés juntos que, se eleito em outubro próximo, vai acabar com a bandidagem no município. Em suas juras em forma de oração, ele também promete recuperar o status de Cidade Maravilhosa, zerar o tráfico e devolver à sociedade carioca as comunidades ocupadas e “policiadas” há décadas por três redes de quadrilha, chamadas “facções” ou “comandos”, o tráfico e a milícia.

Fossem verdadeiras, as promessas, além de louváveis, seriam merecedoras de aplausos de todo o país. O que o candidato não diz e a Globo Lixo ainda não mostrou é que a mentira do cidadão não carece sequer de checagem. Basta lembrar que Cláudio Castro governa o Estado do Rio de Janeiro há quatro anos e, conforme estatísticas respeitáveis, nesse período a milícia, o Comando Vermelho, o Terceiro Comando e os Amigos dos Amigos disputam entre si o controle de territórios nas favelas, conjuntos habitacionais da cidade e de sua periferia urbana. Diz a lenda que falta ao crime organizado apenas a façanha de invadir o Palácio Guanabara, sede do governo local.

Na rabeira das pesquisas de intenção de votos, Ramagem vai morrer pela boca. Ele e outros milhares de candidatos espalhados pelos 5.570 municípios brasileiros ainda não se deram conta de que, embora alguns eleitores permaneçam parvos, a maioria já se conscientizou de que enaltecer político por fazer obra com dinheiro público é o mesmo que aplaudir caixa eletrônico quando a portinha se abre com seu próprio dinheiro. Pior do que esse tipo de promessa moleque só a baixaria observada diariamente na campanha dos candidatos à Prefeitura de São Paulo. O candidato Pablo Marçal que o diga.

É a tal da impunidade no Brasil, onde políticos prometem de chuva ao mocotó da vitória. Pelo menos tenho tido acesso por meio das redes sociais a postulantes aparentemente honestos. Em uma cidade do interior brasileiro, uma candidata corajosa e destemida, cujo nome prefiro não declinar, afirmou que vai pavimentar todas as ruas do seu município com “boquetes” variados. Não há dúvida de que ela será eleita e, após a posse, terá facilidade para organizar um mutirão capaz de concluir a obra em dois ou três dias. Finalmente teremos uma cidade com a “chupeta” pública oficializada. Graças a essa inusitada promessa, o Brasil não é mais do mesmo.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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