Muda ou muda
Sem reformas, morremos todos… a Pátria e o povo
Publicado
emLuis Carlos Alcoforado
Vários ciclos econômicos contagiaram o Brasil, influenciados mais por produtos primários do que manufaturados.
A abundância de matéria-prima promoveu o desenvolvimento relativo, segundo a matriz econômica da moda, mas o esgotamento das fontes gerou vazios à falta de planejamento e investimento com os recursos amealhados com a produção de produtos sem valor agregado.
O setor primário da economia cresce porque temos terras e razoável política de incentivo seletivo.
Há, na verdade, uma cultura de produção de alimentos, por força da qual o agronegócio se destaca na economia brasileira, com pujança.
Os ensinamentos resultantes da cambiante economia nacional foram incapazes de promover reformas consistentes para superar a perigosa dependência à atividade regulatória e concorrencial do estatismo, doença que, definitivamente, contagiou os postulados de uma economia, com pouquíssima presença ou importância do setor privado.
O capitalismo de Estado despreza os mais elementares princípios que sustentam uma economia capaz de organizar os agentes de produção, segundo os valores da liberdade de iniciativa, com mínima intervenção estatal em situações extraordinárias.
A presença de Estado intervencionista e regulatório é típica da economia brasileira, que hoje enfrenta dificuldades para desvencilhar-se da excessiva presença estatal.
A crise atual, gravemente influenciada pela mentalidade e pela ideologia da essencialidade da intervenção do Estado no domínio econômico, exige profundas reformas, mais do que propostas superficiais e circunstanciais.
É ilusório imaginar que boas políticas monetárias e cambiais, conjugadas com redução dos gastos públicos, se mostram suficientes para retomar o crescimento econômico, com melhora da renda e da recuperação de emprego.
Coragem para mudar – Impõem-se coragem e sacrifício para executar, com profundidade, as reformas tributárias, trabalhistas, previdenciárias e as do serviço público, questões cardeais para a transformação do Brasil, em cuja realidade se experimentam soluções transitórias e tímidas.
A academia e os políticos escancaram quando falam das necessidades inadiáveis de execução das quatro grandes reformas, mas o poder Executivo e o poder Legislativo ensaiam discursos em ordem prioritária, sem, todavia, romper o perímetro dentro do qual gravitam interesses das corporações, que agem contra o Brasil, com habilidade para preservar privilégios e direitos mal conquistados.
Somente se fazem mudanças acanhadas, sem dimensão para enfrentar os gargalos da economia.
O sistema tributário brasileiro constitui miríade de artifícios normativos, complexos e nebulosos, pelo excesso de tributos que sufocam o contribuinte e encarecem a própria gestão, sem olvidar que fatos geradores se prestam a estimular a exação de mais de um imposto.
Faltam certeza e segurança ao regime tributário brasileiro, altamente desconfortável para o contribuinte, que desconhece a tipicidade de fatos geradores, as alíquotas, o sujeito ativo, especialmente pela verticalização da estrutura federativa, em decorrência da qual União, estados, Distrito Federal e municípios cobram tributos, sem esquecer taxas cobradas por autarquias outros sujeitos que gravitam na esfera pública.
Modelo vencido – Tributação direta e indireta realça a deformidade do modelo, que se mostra mais nefasta quando se trata de cobrança cumulativa, desfaçada de fatos autônomos e próprios.
Quando o contribuinte não sabe por que paga e quanto deve pagar, a modelagem tributária estupidifica a capacidade contributiva e gera inadimplemento involuntário.
O próprio agente fiscal se perde em arbitrariedades ao se debruçar sobre o fato jurídico capaz de ensejar a tributação, de tal sorte que o contribuinte é arrastado para zona profunda da ocultação da legitimidade ou da legalidade da cobrança tributária, em face ao desconhecimento técnico que atinge, inclusive, contadores e advogados tributaristas, sem se falar na defectividade ou dificuldade dos juízes que militam em varas especializadas, envoltos em fenômenos confusos e regrados por normas constitucionais, legais e infralegais.
O sistema tributário brasileiro não é para doutos, mas para loucos.
A reforma tributária se impõe para corrigir os graves defeitos que o sistema alimenta, mais próximo de confisco do que da justiça fiscal.
A primeira iniciativa é a da simplificação tributária, mediante a adoção de redução dos tributos em face de fatos geradores, conforme os planos federativos.
O modelo constitucional brasileiro, sob o aspecto quantitativo, parece destoar da realidade de tributação, porque os impostos de competência:
I – da União são: a) importação de produtos estrangeiros; b) exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; c) renda e proventos de qualquer natureza; d) produtos industrializados; e) operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; f) propriedade territorial rural; g) grandes fortunas.
II – dos estados e Distrito Federal são: a) transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; b) operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; c) propriedade de veículos automotores.
III – dos municípios são: a) propriedade predial e territorial urbana; b) transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; c) serviços de qualquer natureza.
Visto pela dogmática constitucional, parece que o sistema tributário se alimenta de poucos tributos, mas a verdade é que a quantidade de outros encargos existentes consiste num desafio que escapole a capacidade de enumeração.
Taxação do emprego – Lembrem-se das taxas! Uma verdadeira praga aparentemente inocente, mas que explode os custos tributários no Brasil.
E as contribuições de melhoria… pagamo-las sem melhora alguma…
E as contribuições sociais!
Tributamos, no Brasil, o emprego… hoje tão difícil!
Impõe-se a simplificação e a redução da carga tributária, mediante a adoção de sistema menos oneroso e fácil de administrar, além de prestigiar o princípio da repartição das receitas tributárias, de cujo regime se fortaleça mais os municípios.
A vida do cidadão se expressa no município, motivo por que toda reforma tributária deve reavaliar e realinhar a importância do munícipe como destinatário da cidadania.
O inadimplemento tributário é grande porque a carga de tributos é asfixiante, sufocante e, muitas vezes, confiscatória.
No campo das relações do trabalho, o mais problemático sintoma é o que desestimula o emprego formal, pelos altos custos que resultam do vínculo laboral.
É caro contratar, manter e dispensar o empregado. O emprego no Brasil é um dos mais custosos do mundo, malgrado o salário seja vexatório ou irrisório, longe de atender os parâmetros constitucionais.
Regras trabalhistas muito rígidas, alçadas à categoria de intangibilidade jurídica, considerados direitos insuscetíveis de discussão, mesmo entre empregados e empregadores, reforçam um paternalismo superado.
A conservação ou a preservação de normas trabalhistas, pelo simples dogma de que reúnem direitos adquiridos, intransitáveis pelo plano da racionalidade e do pragmatismo, serve como reforço de como o modelo reclama revisão, inclusive para dialogar, em momentos de grave crise econômica e de emprego, com a flexibilização da rigidez de sua própria natureza.
É consabido que o modelo trabalhista atual contrasta com os tempos de transformação, pelos quais passam as relações entre o trabalho e o capital, em conjugação de novas e revolucionárias técnicas de produção de riquezas.
Mostra-se contraproducente manter-se o conjunto de regras trabalhistas, elaboradas sob conceitos ideológicos próprios de uma época em que a fragilização do trabalhador era aguda, no presente momento histórico, que prospecta o virtuosismo da inteligência nas relações entre o capital e o trabalho.
O capital já não tem pátria, mas apenas interesse, premissa segundo a qual os investimentos rompem as fronteiras da nacionalidade e se alojam, transitoriamente, em territórios que lhe proporcionem maior lucratividade, principalmente tendo como referência os custos da mão-de-obra e dos tributos.
Ocultar a realidade é insistir em erros grosseiros, por força dos quais se aumentam o desemprego e a falência econômico-financeira de todos.
Servidor público – O serviço público, no Brasil, representa outra complexa questão, que envolve o chamado custo/benefício.
Ninguém tem mais privilégio no Brasil do que o servidor público, a começar pelos vencimentos, vantagens e garantias, incompatíveis com os praticados com o setor privado.
Releva dizer que o mal não está no servidor público, que, salvo as hipóteses anômalas, ingressa na carreira mediante concurso, momento em que prova os predicativos e os méritos.
O defeito é do próprio desenho do serviço público, que, após a investidura, perde o controle sobre a eficiência, a produtividade, a capacidade, a pontualidade, a efetividade, a assiduidade, a presteza etc.
À falta de um sistema de avaliação de desempenho, todo servidor público é igual, o que parece contrastar com a realidade do serviço público.
Há os que servem mais ao público do que se servem.
Deve-se criar um sistema de controle do serviço público, com a presença de cidadãos, recrutados de fora do ambiente, capazes de avaliar o trabalho executado, segundo as balizas da qualidade do serviço adequado.
No que se refere à aposentadoria, urge a criação de um modelo que alcance as situações futuras, no qual se extinga a paridade na remuneração entre ativos e inativos, pela forte razão de que a previdência pública já passou do perímetro da inviabilidade, com claros sinais falimentares, em face dos galopantes déficits.
É preocupante que haja dificuldade em segregar os valores das aposentadorias abusivos do campo da proteção dos direitos adquiridos.
Sob a rubrica de direito adquirido, se preservam benefícios previdenciários contrastantes com a moralidade e a eticidade, sem que a jurisdição seja capaz de enfrentar deformidades grosseiras, que agridem a todos.
A redução e a limitação dos gastos públicos são medidas necessárias, mas insuficientes para enfrentar os problemas estruturais do Brasil, que, sem reforma tributária, trabalhista, previdência e do serviço público, continuará a respirar por aparelhos, já envelhecidos e com escasso oxigênio.
Sem reformas, morremos todos: pátria e povo!