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Sem desfecho algum, Massacre do Carandiru completa 25 anos

Massacre completa 25 anos nesta segunda-feira, 2. Foto: reprodução/Heitor Hui

Marcelo Godoy e Marco Antônio Carvalho

Há exatos 25 anos, a Polícia Militar paulista entrava no Pavilhão 9 da Casa de Detenção do Carandiru para conter uma rebelião. A operação terminaria horas depois com 111 presos mortos. Considerado o mais grave massacre penitenciário da história do País, o caso ainda não teve um desfecho judicial. Em meio a recursos, morosidade do Judiciário e reviravoltas, como a que anulou a condenação de 74 policiais no ano passado, o processo se arrasta ainda sem previsão definitiva de quando será encerrado.

Na semana passada, o Tribunal de Justiça admitiu que o recurso especial do Ministério Público contra a anulação dos júris seja analisado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). O próprio MP acredita que o caso poderá levar até dois anos até receber a análise completa do tribunal superior, ainda com possibilidade de que haja recursos ao Supremo Tribunal Federal (STF). Assim, não é descartada a possibilidade de o processo chegar à terceira década.

“Vai ter um desfecho, de um jeito ou de outro. A possibilidade de o crime prescrever não passa pela minha cabeça. Estamos esperançosos porque juridicamente acreditamos na tese da manutenção da decisão dos cinco júris, que foi a de condenação”, diz a procuradora de Justiça Sandra Jardim, que atuou no processo em 2.ª instância. “Não é possível que o STJ seja tão indiferente a essas condenações.”

A polêmica reside na anulação decidida pela 4.ª Câmara Criminal do TJ em setembro do ano passado, desconsiderando o resultado de cinco júris realizados de abril de 2013 a dezembro de 2014 e condenação de 74 PMs a penas que chegaram individualmente a 624 anos. No STJ, o Ministério Público pede que sejam restabelecidas as condenações diante da “decisão arbitrária” de anulação que desconsiderou “a vontade soberana do júri” – tese da qual os advogados de defesa discordam (mais informações nesta página).

Até que o STJ julgue o recurso, que ainda não foi distribuído para algum dos seus ministros, o processo fica parado, decidiu em julho o TJ de São Paulo. Dessa forma, acatou pedido de efeito suspensivo feito tanto pelo MP como pelas defesas.

Professoras da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Maira Rocha Machado e Marta Rodriguez de Assis Machado estudaram as etapas jurídicas e analisaram a morosidade do processo. Para elas, em diversas etapas a lentidão foi acentuada no Tribunal de Justiça de São Paulo, apontado como “um dos maiores responsáveis pela demora na tramitação do processo”. Para sustentar essa afirmação, destacam a demora de oito anos – entre 2002 e 2010 – para a confirmação da pronúncia dos réus, levando-os a júri popular.

“Nunca encaramos de frente o apoio que o massacre teve e tem de setores da sociedade, até dentro da magistratura. É sintomático que a única resposta que as instituições brasileiras tenham dado seja um processo penal que dura 25 anos e está preso em engrenagens surreais e atrasos deliberados – protegidos pelo sigilo dos autos”.

Para o procurador federal adjunto dos Direitos do Cidadão, Marlon Weichert, “25 anos é atestado de que o sistema de Justiça está disfuncional, provocando grandes danos aos familiares das vítimas e à sociedade, reforçando a sensação de incapacidade de resposta do Estado e produzindo impunidade”.

‘Fico perplexo que não tenha julgamento até hoje’, diz ex-procurador – Advogado e procurador de Justiça aposentado, João Benedito de Azevedo Marques era da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo (OAB-SP) quando do massacre. Ao lado do então presidente da Ordem, Marcelo Lavenère Machado publicou o livro História de um massacre, que ser[a relançado na segunda-feira na sede da OAB-SP em um ato contra a impunidade. Azevedo Marques conta aqui o que viu e ouviu no dia seguinte ao massacre ao visita a Casa de Detenção de São Paulo.

Doutor, o que significa 25 anos para se julgar um caso como o do Carandiru? – Eu fui à Washington para representar o Brasil na Comissão de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos). Eu era secretário do governador Mário Covas e a explicação – e ela era real – era que o governo Brasileiro tomou as providências cabíveis, pois abriu investigação criminal, ofereceu denúncia e estava processando os responsáveis. Isso foi em 1995. Nós estamos em 2017 e ainda não subiu o recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça (a entrevista foi feita na segunda-feira e o TJ só definiu isso na quarta-feira) , o que mostra a morosidade da Justiça penal em um caso gravíssimo. É o incidente prisional mais grave das Américas. Isso mostra o sistema absurdo da Justiça penal brasileira., que em um caso dessa gravidade demora tanto para apreciá-lo. São 25 anos sem um julgamento

O senhor na época era da… – Eu era membro da Comissão de Direitos Humanos, o presidente da Ordem era o Batochio (José Roberto Batochio). Isso aconteceu no dia 2 de outubro. O Batochio ligou para minha casa no dia 3 e me pediu para ver o que havia acontecido na Detenção. No dia 4 eu fui lá com o Ricardo Carrara, que era o coordenador da comissão. Chegando lá, tinham uns 2 mil pessoas na frente da Detenção querendo saber notícia dos familiares, se haviam morrido ou não. Ai o Pedrosa (José Ismael Pedrosa, então diretor do presídio) veio me receber. ‘Doutor João – ele já me conhecia do sistema penitenciário -, faça o favor, entre aqui. Quando atravessamos o portão, ele disse: ‘Doutor João, aqui aconteceu um massacre absolutamente desnecessário porque os presos estavam desarmados, agora o senhor me acompanhe. Fui até o gabinete dele e de lá nós fomos ao pavilhão 9. Chegando ao Pavilhão 9 ele foi me mostrar. Havia muito sangue nas celas e nos corredores.

O que mais me impressionou é que havia as rajadas de metralhadora – as celas eram coletivas, para seis ou oito presos – a 1 metro e 20 da parede, pois os presos foram imobilizados e sentados. Teve gente que foi fuzilada ali. teve muito rio pelas costas. Os disparos foram todos em regiões letais ou presos que foram surpreendidos nas camas, pois tinham disparos com sangue nos colchões. Isso eu me lembro muito bem. O Pedrosa disse que havia sido uma briga de presos e no momento em que ele estava negociando com os presos, ocorreu a invasão da tropa de choque. Depois, como sempre acontece, a PM colocou uma ou duas armas que tinham sido apreendidas e estavam com número raspado lá dentro (para dizer que os presos estavam armados). Para mim, não sai da minha memória, daí a Ordem fez a investigação no prédio da Ordem, onde foram tomados depoimentos. A mim me marcou pelo resto da vida. E fico perplexo que não tenha havido julgamento até hoje.

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