Entrevista/Hélio Doyle
‘Sem fakes, sem manipulação da notícia. Esta a cara da nova EBC’
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emRecuperar o tempo perdido e a credibilidade jogada na lixeira da ideologia extremada. Esta é a palavra de ordem do novo comando da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), quase extinta e sucateada pelo despreparo e pelo desconhecimento da gestão anterior. Aliás, despreparo ditado de cima para baixo e de baixo para cima. Sob a batuta do jornalista Hélio Doyle a “nova” EBC, ainda que com algumas limitações orçamentárias, trabalha para, a médio prazo, mostrar ao povo brasileiro que o jornalismo oficial pode – e deve – ser feito com compromissos republicanos. Embora no início, o trabalho objetiva devolver à empresa o vanguardismo no jornalismo isento e capaz de produções diárias e sem a pecha de chapa branca.
Por isso, além do processo de reconstrução física e editorial, a proposta imediata é trabalhar em frentes distintas de comunicação pública e comunicação governamental, mantendo sempre a estrutura a serviço do Estado. Profissional de reconhecida competência, Hélio Doyle revelou em entrevista a Notibras, que sua administração não abrirá mão do compromisso com a verdade e com a pluralidade, ao mesmo tempo em que baseará a condução jornalística exclusivamente no interesse público. Segundo Doyle, após seis anos de má condução e de transformação da empresa em instrumento de propaganda de governo, nestes próximos quatro anos a EBC estará voltada para o combate às fake news.
E como fazer isso? Simples, conforme diz o presidente. “A primeira ação é garantir uma informação séria, isenta e com credibilidade”. Ele também pretende criar quadros específicos na Agência e na TV Brasil contra a maldição das fakes. Prometendo muito trabalho, qualificação e ampliação do diálogo com os empregados, debates sobre as redes sociais e a incansável busca de novas fontes de investimentos, Hélio Doyle enfatiza que seu maior objetivo à frente da EBC é contribuir para a modernização e crescimento da instituição.
A seguir, a íntegra da entrevista:
A ideologia tacanha e personalista (a nosso ver) do governo anterior transformou a EBC, a principal referência no jornalismo público, em algo inacessível para leitores, ouvintes e telespectadores esclarecidos. O que fazer para apagar essa imagem e recuperar o prestígio jornalístico da empresa?
Em primeiro lugar, o compromisso de nossa gestão é recuperar e reconstruir a empresa, que sofreu um processo de desmonte nos últimos seis anos, perdendo a importância como empresa de comunicação pública e se transformando em instrumento de propaganda do governo. Do ponto de vista editorial, estamos trabalhando para criar duas estruturas diferentes – uma para a comunicação pública e outra para a comunicação governamental, que é uma prestação de serviços ao governo. E reafirmar nosso compromisso com a verdade, com a pluralidade e, acima de tudo, com o interesse público.
O presidente anterior se esqueceu completa e absolutamente que a EBC é uma empresa de Estado e não de governo. Considerando que parte da oposição mantém o pensamento personalista em relação ao país e suas instituições, qual a proposta da atual administração?
Nossa proposta é ter, em nossas emissoras de rádio e televisão, e na agência, uma comunicação pública de qualidade, relevância e credibilidade. E prestar ao governo federal um serviço de qualidade para divulgar informações sérias e confiáveis sobre suas atividades, projetos e programas.
Incluindo a redução do espaço físico, o sucateamento técnico da empresa foi um crime anunciado. Mesmo com outras preocupações, o governo Lula pensa em investir na EBC?
Claro que sim, e o próprio presidente tem dado sinais nesse sentido. Entendemos as limitações orçamentárias, mas, dentro das possibilidades, estamos fazendo um diagnóstico das necessidades imediatas para recuperar as estruturas e equipamentos da EBC e de seus veículos. É importante registrar, também, a importância de o governo ter retirado a empresa de lista de privatização. Isto revela um compromisso com missão constitucional de garantia de uma comunicação pública plural e de qualidade.
Ao longo do tempo, a EBC e suas antecessoras formaram profissionais talentosos e até reconhecidos no mercado como oriundos da “escola” de jornalismo da empresa oficial. Poliana Abritta e Tadeu Schmidt são os exemplos mais eloquentes. Há alguma proposta decente – as do governo anteriores foram indecentes – para requalificar o quadro de empregados?
A formação continuada deve ser uma política permanente tanto na área privada quanto na pública. Programas permanentes de qualificação permitem um ganho coletivo no avanço profissional da equipe, além abrir espaços para talentos individuais. Estas iniciativas alcançam melhores resultados quando são construídas a partir de consultas com as pessoas envolvidas. Nossa gestão tem amplo diálogo com os trabalhadores e trabalhadoras da EBC. Esse tema, com certeza, está na nossa agenda.
Assim como no país, há uma explícita divisão política na empresa, notadamente entre os empregados da atividade fim. E não são posicionamentos velados. Isto é facilmente observável nas coberturas físicas do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e nas sucursais de São Paulo e Rio de Janeiro. Ou seja, ainda que se exija o cumprimento de pautas, sempre há a possibilidade de se embutir teses ideológicas no meio das matérias. Como a nova direção pensa em solucionar esses conflitos internos sem repetir os erros do governo Bolsonaro, que preferiu censurar publicamente textos, áudios e vídeos contrários, mesmo que produzidos a partir de autoridades dos Três Poderes?
O nosso maior compromisso é com a verdade e com o pluralismo. O noticiário das ações governamentais é feito com o objetivo exclusivo de fazer chegar essas informações à população. Nos veículos de comunicação pública, o enfoque é mais abrangente. Queremos mostrar como cada política pública afeta a vida das pessoas e sempre abrir espaço para o debate dos diferentes segmentos da sociedade. Além disso, nossa tarefa maior sempre será o combate à mentira, às fake news e à desinformação.
A EBN, uma das antecessoras da EBC, tinha sucursais ou escritórios em todas as capitais. É claro que todos eram inchados por apadrinhados. A maioria era cabide de emprego. Hoje, o favorecimento tecnológico e a atenção do contribuinte são impeditivos para esse tipo de conduta. No entanto, a população e a imprensa das regiões Norte e Nordeste e até do Centro-Oeste ainda são carentes de informações nacionais corretas, compreensíveis e sem manipulação regional. A empresa pensa em recuperar algumas dessas praças, sem cometer erros crassos do passado?
Temos sedes, escritórios e veículos em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Tabatinga, no Amazonas, e São Luiz, no Maranhão. No momento, não temos planos de abrir outros escritórios. Mas lideramos uma rede nacional de televisão, com emissoras afiliadas, em 26 unidades da federação, e neste ano pretendemos estar no Acre, o que falta. Nossa rede nacional de rádio atinge todo o país.
Um dos maiores cancros da informação atual, as redes sociais chegam nessas regiões conforme a conveniência dos governos e dos formadores de opinião locais. Como esse povo também sofre de carência educacional, como agir para conter – ou controlar – as fake news que viram verdades absolutas contra o governo? Como a EBC poderá ajudar no combate às fake news?
A primeira ação para combater as fake news é garantir uma informação séria, isenta e com credibilidade. Além disso, pretendemos criar quadros específicos em nossos veículos, especialmente na Agência Brasil e na TV Brasil, para combater as fake news, oferecendo em contrapartida a informação correta e mostrando o que é fato, o que é fake. O desafio das fakes news é global. Não temos ilusão ou a pretensão de controlá-las, mas exercer nosso papel na oferta de informações de qualidade que façam um contraponto a estas ações criminosas. Nosso combate é no plano da informação. Outro ator importante nesta luta democrática contra a manipulação são os poderes Legislativo e Judiciário. É importante fortalecer com novas leis o sistema de justiça para que ocorram punições em casos de crimes claramente tipificados.
A Comunicação Pública exige grandes investimentos. O governo Lula está disposto a investir forte na EBC, para que ela possa melhorar sua produção jornalística, cultural e de entretenimento e, dessa forma, ganhar uma parcela da audiência?
Estamos recebendo todo o apoio do governo federal. O primeiro passo é a reorganização de empresa, que só não foi totalmente destruída em função da resistência da sociedade e dos empregados e empregadas. Esperamos, sim, que ocorram novos investimentos, e estamos trabalhando para isso. Mas sabemos que não será um processo imediato, pois são muitas as carências em toda a área pública. O governo Lula está trabalhando para recuperar a capacidade de investimento do Estado. A comunicação pública é uma área estratégica de nossa democracia e, certamente, será contemplada.
As redes sociais alteraram a correlação de forças entre as formas de comunicação, retirando poder das mídias tradicionais e dando mais espaço aos influenciadores. Como a Comunicação Pública pode entrar nesse terreno das novas mídias digitais?
É preciso ampliar este debate sobre a redes sociais e a suposta alteração desta correção de forças. Do ponto de vista técnico, é indiscutível que foram abertas novas possibilidades de comunicação e divulgação. Isso inclui, sem dúvida, o papel exercido atualmente pelos chamados influenciadores. Mas há também um forte debate sobre os mecanismos de controle exercidos pelas grandes empresas de tecnologia, caracterizado pela literatura como capitalismo de vigilância. Essas empresas têm acesso e manipulam dados de usuários em todo o mundo. Isso permite o direcionamento de informações segmentadas, que em alguns casos levam à ampla manipulação, incluindo de processos políticos. Então, o contexto para comunicação pública atual é mais desafiador. Ela tem de reafirmar seu papel de promotora de uma comunicação cidadã, defendendo a pluralidade democrática. Quanto ao uso dessas novas mídias digitais ele deve ser intenso, mas sempre em prol deste projeto maior.
O que esperar da sua gestão à frente da EBC?
Podem esperar muito trabalho e comprometimento com a missão da EBC. Será também uma gestão com amplo e constante diálogo interno e externo. Por onde passei meu trabalho teve sempre compromisso com o profissionalismo e o bem público. Na EBC não será diferente.
A EBC é uma das principais empresas públicas do governo federal. Como o seu trabalho contribuirá para a modernização e crescimento dessa instituição?
Estou dando minha contribuição com muita dedicação. Acredito, porém, que o mais importante é mobilizar toda a instituição para esse objetivo. Todos os diretores e gestores da empresa estão trabalhando com esse propósito. Temos certeza de que esse também é o espírito de todo o quadro de empregados e demais colaboradores.
Tecnologias como a Inteligência Artificial farão parte da rotina de produção de conteúdo da EBC?
Ainda não temos uma posição sobre esse tema, mas certamente vamos discutir e encontrar a melhor maneira de atuar com essas tecnologias. Penso que é sempre preferível utilizar as ferramentas abertas e de amplo domínio público.
A valorização dos jornalistas e demais produtores de conteúdo estará na pauta da EBC em sua gestão? Como se dará essa valorização?
Como disse, é necessário construir, em diálogo, um amplo programa de formação e capacitação profissional continuada. Isso é parte de valorização. Permite garantir uma valorização integrada dos profissionais. Além disso, estamos procurando resolver todas as pendências referentes a plano de carreira, progressões, dissídio e acordo coletivo de trabalho. Enfim, todas as questões que hoje afetam os profissionais da empresa.
O governo federal é um grande produtor de fatos. Como funciona o trabalho da EBC no sentido de apurar e pautar todo esse volume de conteúdo? Quantas pessoas estão envolvidas nesse processo?
Estamos reestruturando a empresa para que a área que presta serviços ao governo tenha um funcionamento autônomo e separado da área de comunicação pública. Certamente iremos atender às demandas do governo federal que estejam cobertas pelo contrato.
A EBC é uma alternativa para os brasileiros lerem, verem e ouvirem notícias sem viés e sem características de notícias falsas?
Sem dúvida, e se ainda não é, será. A EBC é do Brasil. Deve garantir espaço opinativo para todas as correntes de opinião comprometidas com a democracia. Notícias falsas e manipulação estão fora de nossa agenda. Nosso compromisso é com a transparência e o bom jornalismo.
Qual a forma de a população entender o conceito de empresa brasileira de comunicação como a de uma entidade que representa os interesses do setor de comunicação no país?
No Brasil, diferentemente de outros países – e inclusive de nossa vizinha Argentina – não há um entendimento claro do que seja a comunicação pública. Temos pela frente essa tarefa de disseminar e mostrar a importância da comunicação pública para o país e para a população.
Como a EBC pode ampliar o debate público sobre temas nacionais e internacionais, de fomentar a construção da cidadania e de promover a diversidade cultural brasileira?
A EBC pode contribuir muito nessas áreas. Estamos trabalhando para ampliar nossa colaboração com empresas públicas de comunicação em todo o mundo, sem viés ideológico. Nesses dois primeiros meses já fechamos acordos com meios chineses e estamos em fase avançada de negociações com instituições portuguesas e argentinas. Vamos buscar colaboração com outras instituições na América Latina, Europa, Japão, Índia, entre outras. Vamos promover intercâmbio de conteúdos, mantendo nossa autonomia e respeitando o posicionamento dessas parcerias. Temas caros à democracia contemporânea, como o combate às desigualdades e à fome, diversidade e direitos humanos estão no centro de nossa agenda. A diversidade cultural brasileira deve ser valorizada e promovida, e para isso contamos especialmente com nossas afiliadas em todo o país.
Sendo a EBC prestadora serviços de comunicação governamental, como a gestão de Doyle à frente da estatal pode melhorar essa prestação de serviço?
Na nova estrutura da empresa há agora uma Superintendência de Serviços de Comunicação, e estamos definindo os quadros que trabalharão nessa área.
A EBC foi criada em 2007 pela Lei nº 11.652/2008 e alterada pela Lei nº 13.417/2017, que estabelece os princípios e diretrizes da comunicação pública no Brasil. Na gestão anterior, o governo federal só não a privatizou por entender que não geraria economia ao Estado, porque a maioria dos funcionários da entidade é de carreira e, por isso, teriam que ser realocados em outros órgãos estatais. Ainda existe a possibilidade de desestatização da EBC pelo atual governo?
Não. O presidente Lula acaba de retirar a EBC e outras nove empresas do programa de privatização. A retirada dessas empresas de programas de desestatização era uma promessa de campanha do presidente e já estava prevista no relatório da equipe de transição para os primeiros meses de governo. As estatais foram retiradas definitivamente do Programa Nacional de Desestatização (PND) e também do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI) do governo, este último uma etapa prévia que qualifica a modelagem de privatização das empresas públicas.
A EBC foi alvo de várias críticas relacionadas ao uso da empresa como um meio de campanha política. Alguns meses antes das eleições de 2022, a EBC chegou a comprar a novela “Os Dez Mandamentos”, da Rede Record, por R$ 3 milhões. Qual será a postura da EBC, daqui para a frente, no tocante ao seu uso como entretenimento público, quais serão as relações entre os discursos políticos e as estruturas sociais, econômicas e culturais que condicionam e transformam a realidade brasileira?
A EBC, embora seja uma empresa estatal dependente do orçamento da União e que tem como único acionista o Governo Federal, tem de manter seu compromisso com a comunicação pública, que implica em pluralidade e diversidade, e compromisso com o Brasil, não com governos. A empresa faz comunicação pública e presta serviços à comunicação governamental. Isso está previsto na legislação e nas normas que regem a EBC.