Com a mesma certeza de que os ursos polares não habitam o Polo Sul e de que os pinguins não vivem no Polo Norte, jamais esperei qualquer manifestação ou acontecimento do governo ou da família Bolsonaro contra o desemprego, a fome ou a Covid-19. E de fato elas nunca ocorreram. Confesso que será uma surpresa bastante agradável caso isso aconteça um dia. Por enquanto, além de “shows” antidemocráticos, apenas eventos familiares da direita e em defesa do ex-deputado bolsonarista Roberto Jefferson, preso semana passada por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Vivemos dias preocupantemente tranquilos. De todo modo, cantando ao mundo inteiro a alegria de ser brasileiro, não há dúvida de que a prisão do presidente do PTB mostrou que, embora não sejam anjos, há juízes no Brasil.
Também ficou claro que nenhum cidadão – presidente da República, deputados, senadores, milicianos digitais e fanáticos pela ivermectina – está acima da lei. Não temos o direito de querer liberdade para ameaçar a democracia sem incômodo. Pior ainda é achar que dispomos de argumentos sobre qualquer fato. Acabou-se o tempo. Voltamos à época de D. Pedro II, aos tempos do imperador, mas é somente no folhetim. Na realidade, estamos muito próximos da tirania. Talvez não a alcancemos, pois nosso comandante está mais para D. João VI, o príncipe-regente de Portugal, que desembarcou no Brasil, em 1818, fugido do Exército de Napoleão Bonaparte. Filho de Pedro III de Portugal e pai de D. Pedro I, João VI considerado com o grande mentor do moderno Estado brasileiro.
São dele os louros da abertura dos portos, do funcionamento de indústrias, criação de escolas, do Banco do Brasil, da Imprensa Régia, da Casa da Moeda, Faculdade de Medicina e Jardim Botânico. No entanto, até hoje é conhecido pelo voraz apetite: chegava a comer três frangos sem molho no almoço. Preferia a gulodice às coisas do império. Como hoje, quando o líder prefere as ameaças, intimidações e fofocas aos projetos. Ter o voto impresso é mais importante do que mostrar que merece ser reeleito pelos feitos prometidos e não cumpridos. São os tais argumentos falhos. Desde que o Brasil é Brasil, defender ideias e ter propostas para apresentar às pessoas, ao país e ao mundo não é privilégio de poucos. Entretanto, no Brasil e no planeta de nossos dias muitos acham mais prático desviar a atenção para os outros como forma de procurar argumentos.
Esse tal de argumento, o mesmo que alegação ou enredo, é o que buscamos para justificar tudo que não conseguimos fazer, realizar ou produzir. Começam com simples afazeres domésticos, passam pelas tarefas escolares, pelo trabalho, pelo futebol, pelas relações afetivas e de amizade e chegam inafortunadamente aos governos. É nesses que me aterei. Raramente nós, os eleitores, nos lembramos das promessas de campanha. A razão é simples: elas são sempre mentirosas. Na verdade, não passam de argumentações premeditadas, enganosas e direcionadas àqueles que ainda se deixam levar pela aleivosia dos que se acham espertos perante os semelhantes. Nunca são cumpridas. E sabem por quê? Porque sempre haverá um bom argumento capaz de convencer os crédulos, desavisados, inocentes e incautos.
No português dos dicionários, argumentar é sinônimo de transformar palavras em controvérsia, disputa ou discussão. Composto de elementos como dados, conclusões, justificativas, qualificadores modais, refutação e conhecimentos básicos, os argumentos são, na prática, a defesa de uma ideia ou opinião sob a alegação de uma série de razões que as apoiem. Os críticos maldosos de hoje adoram lembrar que Lula era “analfabeto” e que Dilma Rousseff não conseguia concluir um discurso de duas frases. Todavia, não aceitam quando dizem que Jair Bolsonaro não sabe sequer diferençar frase de parágrafo. Ou seja, desviar a atenção para o outro não deve ser a única maneira de argumentar. Foi o que ocorreu com a batalha argumentativa do voto impresso. O golpe fracassou por absoluta falta de argumentos lógicos. Aliás, nem provas haviam.
O que houve foi o reconhecimento definitivo da ausência de votos para sequência da vida pública. Sobre a pregação antidemocrática, uma única argumentação: a exemplo do Haiti, o Afeganistão não é aqui. Exércitos como os de Napoleão estão de olho na Terra Brasilis. Em outras palavras, contra fatos não há argumentos. Concluo, portanto, que a diferença entre esse (o capitão) e aqueles (o analfabeto e a moça sem discurso) chega a ser um deboche. Quem sabe mais? Os críticos do governo precisam reconhecer que hoje estamos muito melhores do que na semana que vem. Como argumento final, esclareço que os pinguins circulam exclusivamente no Hemisfério Sul, em regiões costeiras da Antártica. Já os ursos polares, descendentes diretos dos ursos pardos, disputam espaço no Hemisfério Norte. Está aí a razão pela qual os ursos não se alimentam de pinguins. No Brasil, também não há hipótese de brucutus se alimentarem de sapos, principalmente os barbudos.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978