Eu a vi passar, tangueando altaneira. Usava um vestido vermelho, colado, com uma grande fenda lateral que revelava uma coxa indíssima, perfeita.
Tangueava com um cafajeste boa pinta e se esfregava nele como uma gata no cio. Eu a vi, e me apaixonei.
Acompanhei-a com olhos suplicantes. Ela percebeu, dirigiu-me um sorriso sedutor e quase me derreti. Teria sido melhor mesmo, virar líquido e escorrer por algum bueiro de Buenos Aires. Um fim mais digno.
Chamava-se Graziela. Depois do tango veio falar comigo, e me encantei mais e mais. Fomos para um hotel barato e transamos a noite inteira.
Nos dias seguintes, tirou tudo o que eu possuía. Não que fosse muito, para começar, mas sempre havia alguma coisa. O dinheiro transformou-se em perfumes e vestidos caros; objetos do quarto que eu alugava foram penhorados e a grana também sumiu. Tirou-me até mesmo o cigarro da orelha, o que sempre trago de reserva, vai que um maço acaba de madrugada e fico na fissura! Falou, rindo, que queria experimentar, acendeu, deu duas tragadas e jogou fora, disse que era forte demais. E eu com um sorriso bobo estampado na face, achando-a encantadora, linda, maravilhosa…
Mas o pior é que ela roubou-me a pose, a dignidade. Eu, um guapo respeitado e temido na noite portenha, mais respeitado que temido, era conhecido como pugilista. Estava sempre disposto a sair na porrada com algum compadrito tanguero, a tornar seu rosto tão feio quanto o meu, mais feio que o meu. Isso, quando não o desfigurava para sempre com o meu punhal… Pois bem, depois de Graziela, perdi a ânsia de guapear, passei a ter medo que algum soco quebrasse (mais uma vez!) meu nariz e ela me achasse medonho, não me quisesse mais. Passei a evitar brigas sempre que podia, e ontem à noite, pela primeira vez, fugi de um homem que me provocou.
Graziela partiu quando meu dinheiro acabou. Partiu altaneira, com a postura com que tangueava; ao me vir na rua, à porta do cabaré que frequentava, não fingiu não me conhecer. Em vez disso, olhou-me friamente, como que desafiando-me a abordá-la. Não tive coragem. Olhei-a em silêncio e fui embora para o meu quarto, ele está pago por uns 15 dias. Depois, não sei como vai ser.
E assim, tornei-me um ex. Ex-guapo, ex-pugilista, ex-castigador de señoritos, ex-malandro portenho, ex-amante de Graziela. Hoje, vago pelas ruas sem rumo, sem destino. Não sei mais quem sou.