Modismo linguístico
Sem maldade, mas chupar segurando pau é melhor que colocar saco na boca

Desde o berço, chupeta, cueiro, ideologia e bilau cada um tem o seu. É claro que, hoje em dia, usar o dos outros virou modismo. Nada contra. Afinal, como diziam os sábios, quem não tem molinete ou tarrafa tem de se contentar com o lambari alheio. Às vezes, até conseguem um vermelho mais graúdo. É uma questão de sorte. Sem querer erotizar a narrativa, quem nunca chupou laranja com casca, comeu pão com bolo, lambeu a lata de leite condensado ou comeu maracujá com mel? Posso afirmar que desse cardápio pecaminoso e diferente, só nunca experimentei do tal do mara. O restante já. E gostei.
Antes de prosseguir, devo registrar como interessante a expressão Quem nunca. Talvez seja ela uma das enfáticas manifestações do pensamento por meio da palavra ou do gesto. Parte do novo modismo linguístico de 11 entre dez brasileiros, a indagação ainda está longe do alcance imediato de alguns. Eu mesmo não a utilizo, embora a aprecie. O termo é a prova de que os mais velhos precisam se enturmar. É uma cantiga de grilo, mas o tempo é tão rápido que, se não o acompanhamos, corremos o risco de não conseguirmos passar a limpo o nosso rascunho de vida. Lembro Dante Alighieri e sua célebre frase: “O tempo passa e o homem não percebe”.
Por isso, recomendo que, segundo o ensinamento de Machado de Assis, deixemos de nos importar com o minuto que passou. Importante é o minuto que ainda virá. O mundo evoluiu e não me dei conta. A prova cabal de minha preocupação com a minutagem aqui na Terra não é nova. Em uma recente madrugada, fui acordado pelos irmãos gêmeos Cosme e Damião me alertando sobre o dia 20 de julho, data em que, desde menino, comemorava o dia de chupar pirulito. Passou despercebido. Também não percebi que, após muita luta interna, o homem conseguiu diminuir o consumo do tabaco. Por favor, não entendam diferente. Eu disse tabaco. Pior foi esquecer a única coisa que aprendi em japonês: kuji han, cuja tradução não é nenhuma sacanagem. Quer dizer somente 9h30.
Aliás, a língua japonesa é de estremecer freiras virgens. Para recusar uma proposta de forma branda e indireta, basta usar o termo chotto. Peço encarecidamente para que não alterem a vogal final. Na verdade, o que foge ao nosso castiço português costuma ferir os ouvidos pudicos. Eu mesmo quase cheguei às vias de fato com um português em Lisboa. Achando que se tratava de um desses espertinhos que gostam de passar à frente dos semelhantes, o sujeito deu um berro lusitano e, de dedo em riste, ordenou que eu fosse tomar no rabo da bicha. Só me contive depois de ser informado que, na terra de Cabral, bicha é fila. Aqui mesmo no Brasil, mais precisamente no interior de Alagoas, quase tomei uma sova de um marido ciumento.
Patética, engraçada e pitoresca, a causa me fez chorar de rir. Apenas pedi à moçoila permissão para tocar na Chana dela. Novo na relação, o moço não sabia que a Chana em questão era apenas a perua chinesa da jovem senhora. Produzida pela Chana Motors, a pequena caminhonete é recomendadíssima para o transporte de grãos, ovos, tomates, touceiras de mandioca, pepinos, nabos, rabanetes, frangos e demais tubérculos. No verão, é comum a turma que vive em cidades litorâneas usar a Chana para ganhar uns trocados a mais. Pai, mãe, filhos, noras e genros enchem a Chana de geladinhos e saem pelas praias de suas cidades faturando com o calor.
Mais uma vez aparece o tempo para me contrariar. Na infância, adolescência e juventude, minha preferência era pelo picolé. Aliás, era o que tinha. Fácil de manusear, o picolé não sujava as mãos, pois normalmente segurávamos no pau para chupá-lo. Novidade dos filhos e netos, o geladinho (din din no Rio de Janeiro), por uma razão das mais simplórias, mela a criançada da cabeça aos pés: hoje se chupa segurando no saco. Preocupado com o erotismo da língua, decidi aceitar o novo testamento das igrejas evangélicas: Ide às urnas e criai leis contra os pecadores e a favor do dízimo. Quem desobedecer será condenado às trevas. Como mortal que nem sempre capta ao pé da letra o que me é dito, melhor reiterar a tese de que assunto que não entendo minhoca lá.
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Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras
