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Brasil vive ideologia do bumba meu boi

Antropológica, sociológica, econômica e politicamente, o Brasil é uma nação de variados retratos. Multifacetado, dividido na raiz, complexado, ambíguo e cheio de contradições, definitivamente o país do jeitinho não é para amadores. Para muitos, uma república de bananas, na verdade somos um amontoado de milhões de pessoas pouco dispostas a pensar coletivamente. A economia claudicante, o crescimento desenfreado das taxas de desemprego e o cambaleante e tênue combate a pandemia viraram detalhes para essa multidão de comunistas, socialistas, capitalistas, ditadores, leigos, fundamentalistas, teóricos e presumidos extremistas.

A teoria em relação aos extremos fica por conta do imaginário de seus seguidores. Com raros lampejos de personalidade própria, preferem seguir o estabelecido pelos mestres de lá e de cá. O problema é que, enrolados com as palavras, normalmente esses fictícios monitores têm dificuldade em descobrir o que ordenar. Parece uma série de comédia mal roteirizada, consequentemente sem lógica. Sobra para o telespectador, que, mesmo com muito boa vontade, não consegue saber como nem porque ela começou, mas, pelo enredo anunciado, desde o início tem certeza de como será encerrada: sem contextualização.

Do ponto de vista humano, até o fim da década passada nenhuma das adjetivações acima se aplicaria ao brasileiro, muito mais anarquista e individualista do que qualquer outro povo. Tudo mudou nesse começo de decênio. Sem rumo, o país vive hoje a era do bumba meu boi: uma festa folclórica, na qual o personagem principal é lenda. É o novo Brasil, nas cordas desde o primeiro round da luta contra a Covid-19. Com requintes de crueldade, muito negacionismo e sem qualquer planejamento, demoramos a iniciar o processo de imunização. O resultado é trágico: ainda não conseguimos vacinar 30% da população. Apesar dos números, enfrentamos contradições por anos ofuscadas pelo equilíbrio ou sapiência de outras épocas.

Termo da moda e contra o qual os democratas golpistas lutam dia e noite, o comunismo brasileiro é uma piada, considerando que boa parte dos que assim se denominam é milionária. No mesmo barco, a maioria dos socialistas não consegue enxergar o sofrimento do vizinho. Pior são os que se dizem capitalistas e nada produzem e os pretensos ditadores sem exércitos que possam chamar de seus. No máximo, alguns policiais militares, outro tanto de bombeiros, duas ou três dúzias de oficiais de patente e cinco ou seis caminhões de recrutas. Vivemos o paradoxo da frota de navios abarrotados de soldados e atacada pela praga do carrapato. Ou seja, assustam, mas não conseguem sair do lugar.

Parece pouco, mas, sem apoio de Joe Biden, o quadro é absurdamente insuficiente para tomar de assalto uma nação majoritariamente contrária ao golpismo barato, sem argumentação e, sobretudo, sem líder. Então, se não conseguimos nos definir como cidadãos que ocupam o mesmo país, qual a lógica da divisão das ruas e praças para manifestações e carreatas de grupos de esquerda e de direita? À direita para quê? À esquerda de quem? Por enquanto, poucos sabem o que ou quem defendem. Somos ricos, mas jamais fomos unidos para nos mostrarmos como nação próspera. Estamos próximos daquela figurada família abastada que habita uma grande mansão, mas cada um de seus membros briga pelo cômodo mais suntuoso.

Brigam, brigam, matam e morrem até que um destrua o aposento do outro. Lembra o provérbio popular (na verdade a metonímia) em casa onde falta pão, todos brigam e ninguém tem razão. Na verdade, é uma metonímia, isto é uma consequência pela causa. De forma mais didática e menos política, sem sensatez, unidade e convergência patriótica ninguém resolve patavinas. Corremos o risco de, fantasiados de vermelho ou de verde e amarelo, com mito ou com um comunista de volta ao poder, continuarmos arrogando para grupos méritos extraordinários que deveriam ser de todos. O resumo da ópera é que nos imaginamos uma alcateia de ferozes leões, mas, na prática, não passamos de bichanos sem rumo.

É o ufanismo hipócrita dos que sonham viver eternamente banhados de ideologia, cobertos de bandeiras partidárias, mas sem água, luz, comida e oxigênio. Definir posicionamento político com base no viés partidário não é salutar, na medida em que divisões como essa acabam criando várias direitas e várias esquerdas. Como mensagem metafórica, elas não refletem a complexidade e contradições da sociedade. Pelo contrário. O mundo está repleto de portas enganadoras simbolicamente, o mundo está repleto de portas em ganhadoras. Dão entrada sem oferecerem saída. Algumas delas são avidamente disputadas pelos homens que, afoitos na conquista de posses efêmeras, não se acautelam contra os perigos que representam.

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