Faz 13 dias que os integrantes do Congresso Nacional não cometem um desatino. Também pudera. Após exaustivas semanas de terça à quinta-feira, deputados e senadores decidiram descansar. Saíram de recesso. Antes, suas excelências garantiram R$ 53 bilhões nas “Emendas da Virada”. Eu não tive a mesma sorte. Pessimista com essas coisas que reluzem do nada, preferi acabar os folguedos do Ano Novo para conferir meus números da Mega da Virada.
A certeza de ganhar era tanta que, a exemplo de duzentos e tantos milhões de brasileiros, sonhei acordado por longos 13 dias. Meu número de sorte, o 13, estava em todos os dez jogos de cinco reais que registrei na loteria mais próxima. Protelar a checagem dos números escolhidos pela Caixa Econômica foi apenas um detalhe.
Aliás, foi o meu despertar para dentro, pois sempre soube que, se sonhar é perigoso, a solução é sonhar muito mais. É a magia da ousadia e da genialidade de descobrir que os sonhos são livres de impostos, embora cheios de contradições. A principal delas é não permitir que, excluídos os parlamentares, os demais sonhadores tenham os mesmos sonhos que nós.
Alguns desses radicais – eu me incluo no grupo – preferem sonhar de dia, acordados, de modo que a consciência evite algum detalhamento dos devaneios noturnos. Pelo sim, pelo não, meu radicalismo é sonhar com o impossível do tipo imaginado por Charles Chaplin. Por exemplo, sempre sonho em falar sem aspas, amar sem interrogação, sonhar sem reticências e viver sem ponto final. Só não sonho com enormes salários e pouco trabalho. Como fazem os “doutores” do Congresso.
Quando falo em sonhos, não há como esquecer do velho e cada vez melhor Tim Maia, aquele que viveu “em busca de algum motivo pra sonhar, ter um sonho azul, azul da cor do mar”. Outro ícone de minhas viagens durante o sono é Walt Disney, o eterno sonhador. Segundo ele, se você pode sonhar, você pode fazer.
Foi esse princípio que me levou a esperar o rompimento de todos os anos, o espocar de todos os fogos e a reposição de todos os estoques de lentilha para conferir meu jogo. Na verdade, como já havia tirado os planos da gaveta, a certeza de correr para o abraço era tão grande como o grito de gol em um jogo do Flamengo contra o time de peladas de minha quadra. Maior só a garantia do pixulé das “Emendas da Virada”
Pequei pelo excesso de otimismo e, talvez, pela incontida necessidade de dar voz à minha alma sonhadora. Meu primeiro grande erro não foi deixar a conferência para depois. Obviamente que o pecado capital foi não fazer conta dos rendimentos diários que faria jus com o prêmio de R$ 588,9 milhões, uma ninharia para as excelências, mas uma fortuna incalculável para quem trabalhou 46 anos e juntou dívidas certamente superiores ao valor do prêmio.
Passado o pavor da derradeira derrota, fiz como Victor Hugo e desabafei silenciosamente: Carai! realmente o pesadelo é o descanso do desespero. Percebendo os milhões escorrendo pelos dedos, descobri que chifre de veado também é samambaia.
Aos que me questionarem sobre a razão dessa descoberta, confesso que não tenho resposta. Saiu dos limites exagerados do meu frustrado sonho. Triste é perceber que terei de jogar todos os planos de novo rico para as calendas, apelidadas popularmente de PQP. Resignado, despertei e, ajudado pelos meus caboclos de frente (rompi com os de trás), adiei aquela super planejada viagem à Disney. Sem problema algum, troquei por uma noite no maravilhoso circo do ator Marcos Frota e um fim de semana inteiro no parque Nicolândia, montado há 63 anos no Parque da Cidade de Brasília. Os Alpes Suíços foram substituídos pelas centenárias cachoeiras de Pirenópolis.
Pensando um pouco mais, o melhor é subir a Serra de Petrópolis em um automóvel sem a primeira e a segunda marchas. Ainda não decidi o que fazer com os dias imaginados no Vaticano, do pop Francisco. Talvez opte por um Pai Nosso na Igreja de São Jorge, no centro do Rio, ou por um prato de sopa na Catedral da Sé, em São Paulo. Depois de longas consultas a amigos, a Torre Eiffel é tranquilamente inferior às escadarias da Rocinha.
Portanto, se não conseguir ingresso para subir até o mirante da Torre de TV, na capital da República, é para lá que eu vou. Triste foi deixar de circular por Miami e perambular pelas feiras de São Cristóvão ou do Paraguai. Pior de tudo é esquecer o cruzeiro pelo Caribe. Como perdi 50 pilas na Mega da Virada, me sobrou um passeio de Banana Boat no Piscinão de Ramos.
No boulevard dos sonhos perdidos, o melhor caminho é me manter no grupo de WhatsApp. Pelo menos aprendi que conquistar o que sonhamos exige tempo, esforço e muita força de vontade.