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Sem voto impresso, gato sobe e não sabe descer do telhado

O gato subiu no telhado, o celeiro está pegando fogo e a vidraça está quebrada. Mesmo assim, o bode não sai da sala. Deve estar tudo bem. Pode ser, mas somente até a página 2. A partir daí é só coisa ruim, a começar pelo fim do pesadelo em que se transformou o sonho dourado do voto impresso como tentativa de embaralhar as eleições presidenciais de 2022. Na verdade, para esconder o pavor de uma iminente derrota para qualquer candidato que se apresente. Para alguns analistas e membros da CPI da Covid, isso se o moço conseguir se manter de pé até lá. Por enquanto, estressado, emparedado, desarticulado e desgovernado são alguns dos adjetivos proibidos no entorno dos palácios do Planalto e da Alvorada. Só acessam os jardins presidenciais os “filhos” que, deitados eternamente em berço esplêndido, não fogem à luta. Para esses, mesmo sem dizer ao que veio, o mito será sempre mito.

O fato é que a reeleição realmente subiu no telhado. Como o gato está assustado para usar a escada, deixá-lo descer sozinho parece improvável. Por isso, a busca incessante por culpados do fracasso, sobretudo da derrota cada vez mais óbvia. Depois da reunião suprapartidária do último sábado (26), o que ainda era palatável em determinados gabinetes do Congresso Nacional transformou-se em algo intragável entre as principais lideranças da Faixa de Gaza da Esplanada dos Ministérios. Refiro-me à novela mexicana da auditagem do voto, cujo enredo deixou de encantar até os telespectadores que haviam comprado ingresso para assistir da primeira fila o chororô do galã do folhetim. Na verdade, a trama acabou por falta de atores que a sustentassem. Meses após uma cruzada sem trégua e sem provas contra o sistema eletrônico de votação, o personagem principal ainda acredita ter fôlego para fazer a corte à mocinha da eleição.

Improvável. Qualquer coisa a fazer lembrará o enxugamento de gelo ou o engarrafamento de fumaça. Ou seja, praticamente realmente improvável. Emparedado pelo corregedor do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luiz Salomão, que exigiu comprovação material das fraudes anunciadas, o presidente, em conversa com apoiadores nessa sexta-feira (2), disse que não tem de apresentar provas “para ninguém” e que apresenta “se quiser”. Para lembrá-lo, faz pouco tempo seu gabinete pessoal no Planalto admitiu não ter provas sobre supostas fraudes no resultado eleitoral do pleito presidencial de 2018. Como resposta a um pedido de acesso à informação, a assessoria presidencial revelou não ter nenhum documento oficial que reafirme as insinuações feitas mais de uma vez pelo chefe do Executivo. Ainda assim, em mais um dia de bravatas, Bolsonaro diz estar conversando com “pessoas que entendem do assunto” para fazer, por meio de lives, uma “demonstração pública”.

Quem seria esse entendido? Um dos criadores da urna eletrônica e atualmente defensor de primeira hora do bolsonarismo, o físico nuclear Paulo César Bhering Camarão está à disposição. Rompendo um longo silêncio, ele me assegurou que, quando procurado, fala sobre “o desastre que seria a aprovação do voto impresso”. Meno male. Aos apoiadores fanatizados, Bolsonaro diz que entrega a faixa presidencial para qualquer um que ganhar na urna de forma limpa. “Na fraude, não”. Que fraude, presidente? É o mesmo discurso da deputada Bia Kicis (PSL-DF). Ela afirma ter estudado muito a urna eletrônica, a ponto de perceber que o ministro Luiz Roberto Barroso, presidente do TSE, mente quando garante a segurança, transparência e auditabilidade do voto. Perdoem-me o sincericídio, mas a parlamentar deve ter saído antes do fim da primeira aula, pois não aprendeu nada. Felizmente, a cantilena perdeu objeto depois da reunião dos 11 partidos. A busca por culpados sobrou para o ministro do STF Alexandre de Moraes, que presidirá o TSE nas eleições de 2022.

O ocupante do Planalto insinua que, por conta da ladainha do voto auditável, Moraes teria determinado novas apurações sobre a organização criminosa que estaria por trás da disseminação de fake news. Entre os investigados, 01 e 02, isto é, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). É pensar pequeno demais. Até a Venezuela vem sendo usada como justificativa. Relator do projeto, o deputado Filipe Barros (PSL-PR) cita o país de Nicolás Maduro como bom exemplo de funcionamento do voto impresso. É o mesmo que a raposa no galinheiro. Certamente Hugo Chávez deu uma revirada no túmulo. Independente do jus sperniandi e das ameaças, a PEC defendida pelo governo não será aprovada na comissão especial nem no plenário da Câmara. Haverá eleição e sem voto impresso. Papai do Céu vai virar essa página antes que sejamos obrigados a ler sobre projetos de recuperação dos orelhões, da volta do Fusca, da lenha como fonte de energia e da indicação do Biotônico Fontoura como remédio para rejuvenescimento. Os próximos capítulos têm de ser melhores. Deus acima de tudo.

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