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Sem nome, mas cara pra cuspir

Senador que pede asilo para golpistas é o mesmo que nega o racismo

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Autor/Imagem:
Arimathéia Martins - Foto de Arquivo/Marcelo Camargo/ABr

Fazer do limão uma limonada, do doce de coco uma cocada ou do feijão uma feijoada é fazer bom uso do que nos é posto à mão. Agora imaginem fazer do presépio uma presepada ou do mandato eletivo uma patacoada, que também quer dizer gracejo desabusado, brincadeira, bazófia e piada. Nada de mais para um ex-vice-presidente da República que se elegeu senador pelo Rio Grande do Sul, mas vive no Rio de Janeiro e “trabalha” em Brasília.

Gaúcho de berço, o parlamentar é o mesmo que se negou a ajudar as vítimas das enchentes que atingiram o Estado durante todo o mês de maio, sob o patético argumento de que tem 70 anos e que, se tivesse ido, seria “desvio de função”. Como certamente imaginaram as bestas dos seus eleitores, é mais fácil ver o circo pegar fogo de longe. Aliás, no caso específico, quanto mais longe melhor.

Seria trágico se não fosse óbvio o pensamento do senador que, como ex-vice-presidente mostrou o quanto é afeito à penumbra. Seu corpo opaco só foi mais iluminado do que o astronomicamente obscuro “chefe”. Alijado de todo processo decisório do governo anterior também se notabilizou por negar racismo no Brasil. Mais uma vez sua negativa atingiu um conterrâneo. Ainda vice, ele se limitou a lamentar a morte de um homem negro, morto por espancamento e, “provavelmente”, pela bravura de dois homens brancos em um supermercado de Porto Alegre.

O provavelmente é por minha conta, mas conceitua a afirmação do atual senador à época: “Para mim, no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar aqui para o Brasil. Isso não existe aqui”. O pífio argumento do parlamentar o define bem. Ele diz ter visto racismo nos Estados Unidos, onde morou. “Lá, o pessoal de cor anda separado. Aqui não existe isso”. É verdade, meu nobre senador. No entanto, os negros daqui são assassinados em supermercados, nas vias públicas e até como representantes do “pessoal de cor” para incomodar os brancos nos parlamentos. Quem nunca ouviu falar de Marielle Franco?

Acostumado a comandar conscritos como se fosse um general romano, o senador parece ter esquecido que foi eleito para atuar em nome da sociedade, defendendo projetos benéficos ao Brasil e à população. Também é função constitucional dos representantes da Câmara Alta fiscalizar as ações do Executivo, julgar crimes de responsabilidade de ministros de Estado e do STF, do procurador-geral da República, do Advogado-Geral da União, dos comandantes das Forças Armadas, além de propor a criação e a alteração de leis, analisar projetos aprovados pelos deputados federais e avaliar autoridades indicadas pelo presidente da República para cargos específicos mencionados na Constituição.

Entre os 235 artigos da Carta Magna, não há um que dê a um senador da República argumentos oficiais para requerer – ou pedir – a mandatários de outros países asilo político para os fora da lei brasileiros. Mais do que desvio de função, o mesmo usado como justificativa para não ajudar o Rio Grande do Sul, tal iniciativa, ainda que oficiosa, comprova o desprezo do parlamentar pelas leis e pela ordem nacional. Maquiavélico, esdrúxulo e absolutamente corporativo, o pedido do congressista é para que o governo de Javier Milei conceda asilo político aos condenados pelos bárbaros ataques de 8 de janeiro de 2023 que fugiram para a Argentina.

O mau gosto da brincadeira é o argumento de que a fuga mostra “somente que essas pessoas não confiam mais na Justiça brasileira”. Em nome dos sérios, respondo que eu confio. Segundo ele, o julgamento dos golpistas não seguiu o devido processo legal e as penas foram “desproporcionais”. Nobre senador, desproporcionais foram a invasão e o quebra-quebra estimulados por seu ex-chefe às sedes dos Três Poderes da República. Só para lembrar o que certamente faz parte de sua alentada biografia, nos governos que o senhor defendia (e defende) por muito menos brasileiros considerados golpistas desapareciam misteriosamente. Embora com penas excessivas, os de hoje estão todos vivos. Para concluir, felizmente sua cadeira de senador foi consertada antes de sua chegada à Casa.

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