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Senhor da razão, tempo cobra para Jairzinho o que foi dado a Luizinho

Apesar do distanciamento abissal de Jairzinho, aquele que não marchou direito e ainda vai preso no quartel, Joãozinho é um menino que já experimentou de tudo na vida. Em sua terceira reencarnação, a principal de suas histórias ainda não foi contada. Salvo da morte pela incompetência de seus algozes, o enredo que deve estar escrevendo tem verbetes de A a Z e seguramente só faz referência ao outro zinho quando passa pela letra D, o da dita dura.  Entre o ignorado e o aceito, a diferença é que, justa ou injustamente, o que chegou a perder a liberdade se reergueu e, mais uma vez, atravessou o Rio Rubicão infestado de crocodilos. E o outro? Era um dos crocodilos.

Com todas as vênias aos que tentaram impor o arbítrio, o valor social de Joãozinho é inquestionavelmente mais valoroso do que o de Jairzinho. Um morreu na praia. O outro deu a volta por cima e, contra um exército de viúvas amadoras do terror, subiu a rampa palaciana, mostrando ao mundo com quantas cartas se faz uma canastra. Joãozinho nunca posou de general, mas, mesmo sem demonstrar superioridade, é infinitamente superior àquele que, apesar de capitão, se porta, grita e faz ameaças como um general de oito estrelas. Digo de oito, porque os de três e de quatro estrelas, os verdadeiros generais, são respeitosos, respeitados e superiores, embora não tenham necessidade alguma de demonstrar proeminência, ascendência ou autoridade.

São generais porque são inteligentes. Por razões diversas, os que não são acabam capitão. Nem todos, é claro. Só os que têm pouca ou nenhuma inteligência. Pois são justamente esses que se imaginam em condições de obrigar generais, brigadeiros, almirantes e coronéis sérios a se subordinarem a caprichos rasteiros e a rupturas fulecas. Piores do que uma hérnia inguinal supurada, os puxa-saco de Jairzinho perderam o timing golpista e, em breve, deverão sofrer as consequências de um gesto para o qual não estavam qualificados.

E o que dizer dos generais que participaram da trama que fracassou bem antes que o sol brilhasse na Praça dos Três Poderes? Diante da avalanche de provas em poder da Polícia Federal, o silêncio deles é a prova de quem cala consente. Embora o tempo seja o senhor da razão e, invariavelmente, um escultor de ruínas biográficas, eles sabiam – e sabem – que a história passada de Jairzinho é muito mais sombria do que a de Joãozinho. A futura tende a ser muito pior. Eis a razão pela qual queriam ver Joãozinho morto. Não é demais lembrar que, em nome da probidade administrativa e da honestidade, um já esteve preso.

De probidade duvidosa, o outro foi salvo da prisão recomendada por uma corte de coronéis por conta das mãos de alface de um colegiado militar cuja tradição é não punir os seus. Coisas do Brasil corporativo e com valores diferenciados. Para sorte do país, a maioria dos crimes imputados a Jairzinho não é militar. Por isso, a expectativa é de que ele passe pelo mesmo constrangimento prisional do inimigo Joãozinho. Aqui há uma outra diferença marcante. Enquanto um jogava bombas para impedir a redemocratização, o outro lutava com o gogó para impedir a tirania.

O antidemocrata é o mesmo que agora, depois de uma nova tentativa de implodir a República, se diz perseguido. Triste inversão de valores. Lamentável, mas vivemos em uma sociedade onde ser honesto chega a ser vergonhoso. Mais inquietante do que a inversão de valores é a ausência de princípios. E se o golpe não tivesse ido pelo ralo? Alguém tem dúvida de que, caso sobrevivesse à fúria dos patriotas doentes, Joãozinho hoje não estaria preso?  Então, por que Jairzinho ainda está? Os valores de alguns brasileiros estão invertidos, os meus não! Como todo Francisco é Chico, todo Chico é Francisco e nem Joãozinho é Jairzinho, reitero a antiga tese da necessidade de isonomia para lembrar que o pau que já deu em Chico também tem de dar em Francisco.

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*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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