Dúvida cruel
Será que meu filho, como muitas crianças, está viciado na internet?
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emO canal da Galinha Pintadinha ultrapassou a Rihanna entre os mais populares do YouTube mundial e não foi à toa. Pesquisa divulgada em setembro de 2018 pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil afirma que 85% da crianças e adolescentes com idades entre 9 e 17 anos são usuárias de internet – o equivalente a 24,7 milhões de jovens nesta faixa etária em todo o País.
Ao longo dos últimos anos, a pesquisa também observou um crescimento no uso de dispositivos móveis entre este público para o acesso à internet. Se em 2012, 21% das crianças acessaram a rede por meio do celular, em 2018 são 93%, o que representa 23 milhões de crianças e adolescentes. Já o uso da internet por meio de computadores apresentou queda de 37 pontos porcentuais: de 90% de crianças e adolescentes, em 2013, para 53%, em 2017.
O aumento absurdo do acesso tem preocupado cada vez mais os pais e profissionais que lidam com os pequenos. Estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) feito pela psicóloga Fernanda Davidoff com estudantes paulistanos revela que 65% dos usuários dormem pouco para continuar logados, 51% acessam a internet enquanto almoçam ou jantam e 33% usam os dispositivos até no banheiro.
A dependência digital pode levar a outros distúrbios, como ansiedade e depressão. Por isso, o coordenador do curso de pedagogia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Ítalo Francisco Curcio, prega a cautela e o diálogo entre escola e pais. “A família tem que trabalhar em consonância com a escola. Existem instituições hoje, sobretudo as particulares, onde todas as crianças têm celulares. Então é importante que a escola saiba atrelar os dispositivos com o aprendizado”, explica ao E+.
Em julho deste ano, o Parlamento francês aprovou definitivamente a proibição de telefones celulares nas escolas. A lei é uma promessa de campanha do presidente Emmanuel Macron e chegou a ser chamada pelo governo de “medida de desintoxicação” contra a distração em salas de aula. O educador acredita que não é para tanto: “Costumo dizer que existem duas formas de se curar uma doença. A primeira delas é fazendo o tratamento, e a segunda é matando o paciente. Foi isso que a França fez. Quando as calculadoras surgiram, elas também foram tratadas como ‘monstrengas’, como assassinas da matemática. Mas prevaleceu o bom senso”.
A arquiteta Camila Cavalcanti e o advogado Caio Almeida tentam driblar desde cedo o uso das redes pelo filho Davi, que completou um ano no mês passado. “A gente sempre evitou a exposição de Davi às telas – do celular principalmente. Até os seis meses, ele não assistia nada nem pela TV nem pelo celular”, conta.
Segundo ela, o bebê fica exposto à televisão em situações esporádicas: apenas quando precisa ser distraído. “A gente só coloca ele frente à TV para fazer nebulização, cortar as unhas ou colocar termômetro, porque ele não para quieto. “Não sou xiita com isso, mas a gente preza pelo não entretenimento televisivo.”
Na casa da também arquiteta Carolina Quintella, mãe de Thiago, de 4 anos, e Pedro, de 7, a internet tem servido como um incentivo à leitura para os pequenos. Apaixonados por canais de YouTube de jogos, os dois não conseguem ficar somente no que é oferecido na telinha e têm apelado para os livros escritos pelos youtubers preferidos. Além disso, os dois só podem ter acesso ao tablet para assistir aos vídeos às sextas-feiras e nos finais de semana, durante duas horas, depois de terminadas as tarefas de casa.
Com a estudante de direito Carolina Pondé, mãe de Davi, de 5 anos, a situação já foi um pouco mais complicada. “Percebi que ele estava viciado no Netflix e no YouTube. Não queria fazer outra coisa, não saía do quarto para nada. Tive que tomar uma medida que achei extrema, mas restringi o acesso para apenas aos finais de semana, com a condição de que ele também fizesse alguma atividade fora de casa”. A mamãe conta que a decisão fez com que o filho experimentasse o “ócio criativo”, passando a optar por brincadeiras mais lúdicas, e até a parar de pedir o acesso à internet.
O psicólogo Leonardo Luiz argumenta que os pais devem ter atenção especial em relação à necessidade que os pequenos sentem de adequação ao que os amiguinhos estão consumindo. “Geralmente eles percebem que um colega já tem um aparelho celular ou assiste um ‘programa X’, e copiam o que o outro faz”, explica. Segundo ele, os pais devem ficar atentos a isso e entender o que, de fato, é uma necessidade particular da criança.
“Cada caso é um caso. O que posso dizer, em geral, é que os pais devem acompanhar de perto o que é consumido pelas crianças e aprenderem a dizer não quando eles pedirem algo que eles acreditam não ser crucial para o crescimento deles”, aponta. Nesse sentido, o pedagogo Curcio completa: “O melhor caminho é o diálogo, sentar e conversar. Mostrar que o objeto vai além do entretenimento, que ele serve para aprender e, para isso, é preciso disciplina e organização”.