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Será que vamos esquecer a origem de cabaré?

No melhor estilo Rita Lee, eu não me levo a sério, mas mantenho a seriedade em tudo que faço. Por exemplo, procuro sempre escutar a consciência antes de propor a meus “pares” levantar a bandeira da moralização. Tenho pavor de ser tachado como provocador do conceito da desforra por sugerir quase diariamente que vivemos um cotidiano promíscuo, comandado prioritariamente pelos políticos, com a eventual inclusão de cidadãos e servidores pagos para servir. Meu medo maior é perceber um dia que foi uma perda de tempo todo o trabalho em busca da coerência, da licitude, da preservação dos valores e honestidade acima de tudo.

Sei que corro o risco de malhar em ferro frio. A frase a seguir não é minha, mas, de tão perfeita, resolvi incluí-la nesta narrativa: “Será que o Brasil quer mesmo esquecer sua origem de cabaré, onde todos entram e gozam?” Difícil responder negativamente, principalmente porque boa parte da população insiste em condenar os grandes corruptos, mas não consegue abandonar a prática de pequenos e variados delitos. O conflito entre ser bom e ser condescendente com atos antiéticos é eterno. Para os que se acham acima do bem e do mal, vale lembrar que sonegar impostos, se utilizar da gatonet, jogar lixo na rua, destruir bens públicos ou monumentos históricos, se insurgir contra a democracia e até parat em fila dupla é tão criminoso como roubar os cofres da viúva.

Uma pena, mas, além do complexo de vira-latas, convivemos bem e em paz com o rótulo de republiqueta de bananas. Permitam-me divergir de quem pensa assim, mas sonho com o dia em que deixarei de fazer referência ao Brasil como terra de ninguém. Por isso, não admiro aqueles que vinculam nosso fracasso quase absoluto como nação pujante, independente e sólida politicamente ao fato de sermos remanescentes de um legado português. Somos ludibriados, trapaceados e explorados exclusivamente pela ausência de líderes capazes de nos defender dos exploradores com argumentos inteligentes e justos. E estes somos nós quem os escolhemos.

Como diz o filósofo e advogado pernambucano Pierre Logan, políticos e líderes ruins não caem do céu. Eles são eleitos. Portanto, em última análise, somos o que merecemos. Nunca é demais lembrar que o tempo pretérito se torna presente pela memória, e o futuro pela nossa imaginação. No Brasil de 523 anos, normalmente fazemos mais festa às pessoas que tememos do que àquelas a quem amamos. Infelizmente, isto é um fato contra o qual não adiantam argumentos, tampouco profecias profiláticas, neurológicas ou ginecológicas. Somos a essência do paradoxo. Lutamos para que o Brasil dê certo, mas fazemos de tudo para que ele dê errado.

Somos negros, mas o racismo faz parte do dia a dia de um aglomerado de brasileiros. Adoramos o arco íris, mas escorraçamos os que dele se adornam. Amamos as mulheres, mas as matamos na primeira crise existencial. Enfim, ou mudamos com urgência ou, com a mesma urgência, chegaremos à conclusão de que realmente somos uma republiqueta de bananas, na qual, fora o toque retal, pouco ou nada tem o efeito desejado. No Brasil de hoje, nem mesmo a ficha limpa consegue deixar de ser suja. Será que teremos coragem de propor as necessárias mudanças, aproveitando que o chão da fábrica está sem chefe? Me valho da ocasião para reafirmar que sinto comichões e arrepios de último grau só de imaginar o retrocesso que seria a permanência dele entre nós.

Me recuso a falar do ser humano, pois tudo que Deus criou, inclusive os primatas, deve ser visto como uma estrada. São de nossa responsabilidade a sinalização e as flores com as quais cumprimentamos os iguais. Também dependem de nós o mapeamento das curvas e dos trevos usados para nos distinguirmos dos inimigos que, durante um tempo, estiveram perto de nós e, de repente, se sentiram fascinados pelo nosso oponente. Estes são muito piores do que aqueles que nos odiavam desde sempre. Evitamos a ofelização do Brasil, a tragédia anunciada. Agora, resta-nos banir da vida pública todos que ajudaram o cidadão a cuspir no prato em que se fartou. Quem sabe é este o início da recuperação de nossa bandeira da moralização.

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