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Seriedade dos eleitores é a única saída para o fim da vigarice eleitoral

Craques na música, no frasismo e nas previsões, Tom Jobim e Tim Maia estavam bem à frente do tempo em que viveram. Morreram e não tiveram tempo de sentir na pele tudo o que previram. Além das belíssimas e imortais composições, Tom e Tim escreveram, supostamente a quatro mãos, a tese que até setembro de 2024 não havia sido desmentida. Talvez não seja nem na noite deste domingo, 6, após o resultado das eleições municipais. Segundo eles, o Brasil da época não podia dar certo, porque nele prostituta se apaixonava, cafetão tinha ciúme, traficante se viciava e pobre sonhava com a direita. Nada mudou no Brasil de hoje. Talvez tenha ficado pior com o surgimento da extrema-direita e com a consolidação dos políticos vigaristas.

A diferença é que o ruim ficou bom de repente e o que era bom a maioria quer transformar em algo que não presta. Se vivêssemos em um país sério, metade dos candidatos estaria presa. Farsantes como o tal Pablo Marçal sequer concorreria. O fato é que a moral dos políticos, inclusive os que deverão ser eleitos neste domingo, sobe e desce como os elevadores. O problema é que enguiçam mais do que funcionam, deixando desesperados os infelizes que confiam neles. Como por aqui o vinho vira água, a água desaparece, os heróis acabam vilões e os vilões ressurgem como mitos, o fenômeno da vez é a mudança de rumo de quem apanhou nos anos de chumbo.

Por razões que a própria razão desconhece, muitos desses resolveram defender a ditadura para agradar um mito que se evaporou antes mesmo de virar herói. Mesmo leigo no assunto, prefiro as lendas aos mitos. Entre meus numerosos alfarrábios, um deles informa que há sempre algo por trás dos mitos, mas sempre haverá uma verdade por trás de toda lenda. Eis o motivo de minha preferência. Considerando que o mito é maior do que a soma das mentiras e que até aqui o Brasil foi um mito, penso ter chegado a hora de encararmos um Brasil de verdade. Lamentavelmente, muitos preferem entender e encarar a política como uma brincadeira. De mau gosto, é claro.

É por esse motivo que o país virou uma casa de apostas. Faz algum tempo os grupos que torcem pela recuperação nacional batem de frente com os que sonham com o caos, com o abismo mais profundo. Enquanto isso, a saúde, a segurança e a educação acabam no saco de galhofas de candidatos a cargos eletivos nos três níveis. Nos quatro cantos do país, especialmente na cidade de São Paulo, onde candidatos brincam criminosamente com a democracia, os votos serão mais abundantes se o postulante à Prefeitura ou a Câmara Municipal for uma pessoa do tipo pulha, caluniadora, fofoqueira nas redes sociais, sem caráter ou tiver algum envolvimento com facções perigosas.

Alguns desses caras de pau se mostram como heróis, mas desconhecem que herói é aquele que cura suas próprias feridas e só depois mostra aos outros como fazer o mesmo. Pegando carona em um brilhante texto publicado nesse sábado (5) por Notibras, como fazer este país dar certo com candidatos a vereadores que se apresentam como Pancadinha, Caio Pinto, Baixinho do Pano, Balan Sarrola, Voz de Trovão, Jé Badura, Velho Barreiro, Furico, Paula Dentro, Paula Tejano, Paula Vadinho e Tasha Padona. São nomes surreais ou criados para, a partir do duplo sentido, confundir, trolar, agradar ou se mostrar para o eleitor disposto a aceitar uma suposta criatividade pai d’égua.

Pelo bem da seriedade que ainda resta na política, torço pela vitória do respeito, da sobriedade e da sensatez e que nenhum deles seja eleito. Que prevaleça a realidade serena diante das expectativas representadas por pessoas de nomes bizarros e certamente de reputação duvidosa. Mesmo longe de conseguir desatar os nós do Brasil feito por nós, evitar a chegada de novos exploradores já é um avanço. De olho nas cigarras que sumiram das árvores, continuo enxergando a política brasileira como uma orquestra de surdos e mudos tocando para uma plateia de cegos. Ou seja, o que vier de menos ruim é lucro. O fato é que, mantendo o perfil desleixado, o Brasil permanecerá produzindo mitos. São os personagens que, conforme o romancista russo Boris Pasternak, se esforçam ao máximo para ignorar a verdade. O problema é que o resultado da decepção de alguns com os mitos que criaram alcança a todos os brasileiros. Por isso, reitero a torcida para que os eleitores sérios deem um basta à vigarice eleitoral.

*Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras

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