Depois de servir por longos 17 anos a três dos cinco tribunais superiores do país, passei a ser muito questionado sobre a lisura, eficácia, agilidade e honestidade dos magistrados. São coisas que a ética me impede de entrar no mérito. O que posso afirmar é que nem só de vocabulário rebuscado e prolixo e de hierarquia complexa vive o Judiciário, onde vivi e assisti de tudo um pouco nos plenários e nos bastidores das cortes. O melhor de todo esse tempo foi descobrir que os juízes não são anjos. Como homens com diferentes interpretações do direito e naturalmente passíveis de falhas, suas decisões agradam a uns e desagradam a outros. E o povo acusa a Justiça de lentidão e de leniência em alguns dos milhares de processos que chegam até suas excelências.
Não há exagero. No entanto, vale registrar que, em qualquer das instâncias, o juiz é obrigado a se manifestar conforme as leis. E leis, data vênia, são produzidas pelas excelências sem rebuscamento do Congresso Nacional. Taí o prende e solta. A matemática ensina que, dos 100% das pessoas envolvidas em um processo, 50% enaltecem e 50% têm ojeriza pela Justiça brasileira. São os vencedores e os perdedores, esses últimos os maiores críticos do empoderado e assoberbado Judiciário, cujo dia a dia dos gabinetes lembra uma enorme fábrica de pastéis. Detalhes tão “pequenos” que não valem a pena detalhá-los. Interessantes são os casos pitorescos, engraçados e caricatos envolvendo o Judiciário nacional, boa parte deles ocorrida nos fóruns interioranos.
Lembro bem de um oficial de Justiça da cidade mineira de Alfenas. Durante um procedimento de penhora de bens, ele ligou para o juiz da Comarca pedindo autorização para confiscar um crucifixo da marca Inri. Em nome de Deus, é claro que o pedido foi negado. Ainda em Minas Gerais, um juiz da Infância e da Juventude diz a um cidadão que concorria a uma vaga de comissário de menores que sua aprovação dependeria de uma única resposta. A pergunta teria o Estatuto da Criança e do Adolescente como mote. “Você conhece o ECA? Sim, excelência, mas só de vista”. Reprovação imediata. Menos engraçada e mais trágica foi a absolvição de um réu acusado de agredir a sogra.
O juiz da comarca de Assis (SP) considerou que “bater em sogra uma vez por ano era o exercício de um direito, conquanto que em sogras se deva bater com instrumento de eficácia contundente, visto que normalmente elas gostam de interferir na vida do casal”. Tadinha da veia. Em Santa Helena de Goiás, uma das excelências locais disse em uma sentença que antigamente “um homem se relacionar com ‘putas’ era considerado fato de boa reputação. Na decisão, ele lamentou que os tempos tenham mudado e que a situação, segundo ele, havia se tornado um fato ofensivo. Com todas as vênias possíveis, voto com o relator.
Em outra cidade do interior, a velhinha conhecia a vida pregressa e a intimidade do advogado de defesa, do promotor e do juiz. Sabia detalhes comprometedores e até constrangedores. Após acabar com a reputação dos dois primeiros, o juiz interrompeu a sessão por cinco minutos, chamou o advogado e o promotor e, por meio de um embargo auricular quase sussurrante, disse: “Se algum de vocês perguntar a essa velha maldita se ela me conhece, sai dessa sala preso e condenado a 30 anos de cadeia. Fui claro? Silêncio absoluto.
Recém-chegado de Trás os Montes, o advogado português recebeu uma oferta super tentadora. De passado tenebroso, o réu oferece R$ 10 mil extras caso ele seja condenado a apenas três anos. Se forem dois anos, R$ 20 mil, e se um ano R$ 30 mil. Depois do julgamento, o causídico lusitano informa todo entusiasmado: “Trabalhei muito para condená-lo a apenas um ano. Os gajos queriam porque queriam absolvê-lo”.
Em São Paulo, mais precisamente no TRT-2, um magistrado reverteu uma demissão por justa causa, cujo móvel do crime era uma simples flatulência, o popular peidinho. Na decisão, o meticuloso juiz destacou que se tratava de “uma reação orgânica natural à ingestão de ar e de alimentos com alto teor de fermentação, os quais, combinados com elementos diversos, presentes no corpo humano, resultam em gases que se acumulam no tubo digestivo e necessitam ser expelidos, via oral ou anal, respectivamente sob a forma de eructação (arroto) e flatos”. Como o peidinho foi considerado casual, a demissão foi revogada.
Na cidade de Jucurutu, o juiz da cidade chega à vara e avista duas moças esperando sentadas na sala de audiências do fórum. Ao ver o primeiro processo da pauta do dia, que é sobre um crime de estupro, ele pergunta para as duas: “As senhoras foram arroladas no processo? Rapidamente, uma delas responde: “Excelência, eu sou apenas testemunha. A rolada foi só nela”.
Fico por aqui, mas volto depois que Flávio Dino vestir a toga. Aliás, a grande piada dessa quarta-feira (13) foi o rabo de arraia dado pelo futuro ministro do STF nos bolsonaristas do Senado. Sem o capitão do lado, a oposição ficou a ver navios. Todos à deriva.