André Borges
O maior reservatório de água da América Latina está sumindo a olho nu. O lago da Hidrelétrica de Serra da Mesa, em Goiás, chegou a 9% de sua capacidade total de armazenamento com a estiagem que castiga a região há cinco anos. O nível atual da água está 35 metros abaixo da cota máxima que a represa comporta, uma altura equivalente à de um prédio de 14 andares.
O nível da água cai entre quatro e cinco centímetros por dia. Recentemente, a longa ponte de concreto que ligava os municípios de Uruaçu e Niquelândia, e que ficou no fundo da represa após o fechamento da barragem, voltou a ressurgir na paisagem. Pescadores locais, que anos atrás passavam com seus barcos metros acima da estrutura, agora cruzam a ponte caminhando, com água pelas canelas, levando as tralhas de pesca para tentar fisgar algum peixe que ainda não foi embora, por conta da redução do oxigênio na água e do aumento de sua temperatura.
Em seus dias áureos, o lago de Serra da Mesa, que tem seu curso principal formado sobre o Rio Tocantins, chegou a guardar algo próximo de 54,4 bilhões de metros cúbicos de água, uma imensidão líquida que se espalha por 1.784 km², área maior que a cidade de São Paulo, com seus 1.521 km². De 2012 para cá, no entanto, a escassez das chuvas transformou esses números em história e fez o maior lago do País em volume de água armazenada atingir seu pior cenário desde sua criação, em 1998.
Com a estiagem, o turismo também evaporou. Salvador Ferreira de Almeida, o “Deuzin”, é um dos tantos pescadores que tiraram o sustento da família com o trabalho na pesca e no transporte de milhares de turistas que vinham atrás dos tucunarés nessa região da represa, no entorno de Uruaçu. Deuzin ainda veste a camisa verde com seu nome estampado, telefone e a frase “Alugam-se barcos”. Faz oito meses que Deuzin não transporta nem um pescador sequer.
“Tem quatro anos que a coisa foi ficando feia, muito feia, e nunca mais voltou. É uma tristeza o que gente tem passado aqui”, lamenta Deuzin, um dos pescadores mais antigos da região. “Quando fizeram essa represa, disseram que ela ia ter uma cota mínima, que ia ser mantida. Hoje, a gente não sabe mais que cota mínima é essa, porque a situação só piora.”
Como o peixe nativo rareou nos últimos anos, os pescadores passaram a criar tilápias em cativeiro, lançando tanques de aço com mantas de nylon na beira do lago. No ano passado, o negócio promissor converteu-se em drama financeiro e ambiental. Deuzin cuidava de 5 toneladas de peixe em seus viveiros. De um dia para o outro, os peixes deixaram de comer e, na manhã seguinte, amanheceram todos mortos.
“Disseram que foi por falta de oxigênio ou o agrotóxico que veio de plantações da região. O que sei mesmo é que perdi R$ 22 mil.” Ao todo, foram mais de 100 toneladas de peixes jogados no lixo, episódio que praticamente quebrou a Cooperativa dos Piscicultores do Lago Serra da Mesa, que reúne 33 pescadores. Em vez de peixes, o que criaram foi uma dívida de R$ 300 mil.
A seca também afastou os visitantes da Praia Generosa, estrutura de lazer criada durante o processo de construção da barragem, nos anos 90. Pela praia não há mais como acessar o lago, por conta das vegetações que reapareceram no caminho.
Quando Serra da Mesa foi represada, boa parte das árvores que ficariam submersas não foi retirada. O que se vê na paisagem de hoje, quando o lago teima em acabar, são os imensos “paliteiros” de troncos, um emaranhado de natureza morta. Quiosques de sapé que ficavam na beira da água agora estão a centenas de metros de distância. A maior parte dos bares fechou. Alguns restaurantes flutuantes foram abandonados na paisagem empoeirada.
Abandono – Um dos tantos projetos de luxo que foram atraídos para a orla da barragem quando Uruaçu entrou para a lista de destinos de pesca mais procurados do País também está abandonado. No começo dos anos 2000, a família de Jordana Bonfim investiu R$ 5 milhões na construção da Estância Serra da Mesa, com 24 apartamentos, pista de pouso, piscinas com “bar molhado” e barcos para pesca.
“Até 2013, foi uma época linda. Mas a seca chegou e levou tudo”, diz Jordana.
Hoje, apenas um casal de trabalhadores toma conta do que é possível. “Há um ano não vem ninguém aqui para se hospedar na pousada”, diz o caseiro Anísio Ferreira Duarte. As piscinas estão com a bomba d’água quebrada e os barcos que eram alugados estão sendo cobertos pelo mato. A água da barragem, que antes beijava a soleira da pousada, agora está a um quilômetro de distância.