Apesar da aura emocionada, faltava-lhe sensibilidade e sobrava-lhe angústia para rabiscar sentimentos no papel. A pena, repousada ao lado do pote de tinta, permanecia intacta no canto da mesa. Por que havia comprado aquilo? Certamente deveria ir para as mãos de gente talentosa. Mas combinava com a decoração do ambiente.
Há tempos formado em Direito, tentou trabalhar na área por quase dois anos. Não durou muito nesse ofício, pois não suportava a ideia de ter que entrar com ação contra os clientes maus pagadores. Graças a alguns contatos, arranjou emprego numa repartição. Mas sonhava em ser professor de história.
Apaixonado pela figura de Napoleão Bonaparte, adorava se postar diante do amplo espelho do quarto. Ereto e com a mão direita sobre o ventre, simulava dar vitoriosas aulas para uma sala cheia de alunos, todos entusiasmados pela maneira do professor contar as aventuras da maior figura da história da humanidade.
Os sonhos de ser interlocutor de Napoleão, todavia, eram constantemente interrompidos pelo avançar das horas. O homem tratava logo de correr para não perder a hora no emprego. De pé no ônibus lotado, murmurava baixinho alguma passagem do incomparável líder francês, mas ninguém parecia perceber. Problema deles! Que permanecessem na ignorância!
Foi em agosto, mês mais triste do ano, que aquela tragédia aconteceu. E para ser emblemática, o homem calculou que o dia 16, que dividia o mês em duas partes iguais, obviamente seria o mais repleto de lamúrias. Subiu em uma cadeira diante do espelho e pulou. A corda, devidamente presa no lustre acima, completou o trabalho. Enquanto o corpo balançava, um bilhete caiu-lhe da mão: “Nem de longe sou Drummond, mas, de vez em quando, torço para que surja uma pedra no caminho. Ao menos, seria uma pedra nessa estrada tão vazia.”
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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