Nunca comemorei o 7 de Setembro. Tinha 4 anos de idade quando o golpe de 31 de março de 1964 desabou sobre a democracia e o verde-amarelo, a data nacional e, sobretudo, o desfile militar tornaram-se símbolos de exclusão e violência para a minha geração.
O hino nacional e as cores pátrias só ganharam significado para mim na vibração coletiva da Copa de 1970, quando era jovem demais para me sentir dividida, como tantos, entre o justo entusiasmo com a seleção e o receio de alimentar a propaganda do governo militar, que ultrajava o sentimento patriótico com o confisco da liberdade, a crueldade da tortura e a dor das famílias que choravam seus mortos e desaparecidos, eles sim, jovens patriotas e idealistas.
O verde-amarelo só ganharia sentido novamente para mim no final da ditadura, quando tomou as ruas de novo na campanha das Diretas-Já. Não pude participar, mas acompanhei esperançosa, com minha filha de 5 meses no colo, o comício de mais de 1 milhão de pessoas no Anhangabaú, em São Paulo, naquele abril de 1984.
Apesar da exuberância da torcida, não foi uma vitória espetacular como a da Copa de 1970: tivemos que engolir a eleição indireta de Tancredo Neves e depois ver um personagem como José Sarney, ex-arenista próximo dos militares, colocar a faixa verde-amarela presidencial. Só em 1989, quando completei 30 anos, votei nas eleições para presidente pela primeira vez.
Mas, ainda que as cores da pátria tenham voltado a brilhar na democracia, continuei associando a beleza do verde-amarelo ao esporte. Mil vezes um hino nacional cantado em um estádio de futebol ou em uma quadra olímpica do que em um desfile militar de 7 de Setembro, ao menos para a geração que viveu sob o jugo dos quartéis.
O tempo mostraria que, talvez, não estivéssemos errados.
Lembro a decepção da minha neta, então com 11 anos, quando soube que o 7 de Setembro havia se tornado motivo de preocupação – não de festa – no noticiário, na escola, na família, com a comemoração golpista do governo Jair Bolsonaro em 2021. Fiquei surpresa quando ela me disse, emocionada: “Ah, que pena, eu gostava tanto do 7 de Setembro, das bandeirinhas, do hino”.
Entre minha geração, colhida pela ditadura na infância, a de sua mãe, nascida nas Diretas-Já, e a dela, que nasceu no segundo governo Lula, finalmente a pátria parecia ter se tornado um pouco mais “mátria”, como queria Caetano.
Depois do isolamento da pandemia e dos arroubos fanáticos do governo Bolsonaro, o 7 de Setembro pode ter parecido um tanto chocho este ano para esta geração, apesar da aplaudida presença do Zé Gotinha. Boa bastante, porém, para quem se recorda do medo de 2021 e da vergonha que foi o confisco do Bicentenário da Independência, no ano passado, pelos interesses eleitorais do presidente da República. Como esquecer o empresário Luciano Hang, em seu terno verde-amarelo, tomando o lugar do presidente de Portugal, em visita oficial ao país, na tribuna que se tornou palanque de Bolsonaro?
Por isso, enquanto escrevo sobre 7 de Setembro, ligada nas notícias, meu sentimento é mais alívio do que entusiasmo. Mesmo aplaudindo a compostura do presidente Lula e o apropriado lema da cerimônia (“Democracia, reconstrução e união”), ainda se sentem as cicatrizes da ameaça recente. E tem mais.
Para as mulheres e para todos os que amam o esporte, este 7 de Setembro traz também um travo amargo da véspera, a nos lembrar como ainda é limitada a nossa democracia dominada por homens brancos: na quarta-feira, a atleta olímpica Ana Moser foi substituída no Ministério do Esporte por um Fufuca apadrinhado pelo deputado Arthur Lira.
Para mim, que vi a beleza do verde-amarelo pela primeira vez no esporte, o golpe é duplo -– na razão de mulher e em meu coração de brasileira.
Ainda não será desta vez, minha neta, que vamos balançar juntas as bandeirinhas no Dia da Independência. Nossa “mátria” merece muito mais. Você verá.