Dia desses, após ler pela enésima vez o “Poeminha do Contra”, de Mário Quintana, percebi que a vida é realmente parecida com uma lotação, na qual tudo é passageiro. Apesar dessa percepção ilusória da existência mutável, não consigo entender por que meus conceitos não se adequam ao tempo e à sua incontestável ação. Vaidade das vaidades. Afinal, o que não é vaidade na vida? Só a certeza de que, como tudo flui e muda, ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio. Ou seja, o bom da vida é que tudo passa. O paraíso é quando a gente descobre que a vida não é uma pergunta a ser respondida, mas um mistério a ser vivido. Eis o enigma da vida.
Voltando a Mário Quintana, origem da minha viagem de hoje, o “poeminha” revela que “Todos esses que aí estão Atravancando meu caminho Eles passarão…Eu passarinho!”. A esperança e o otimismo do autor me dão força para acreditar que, leve o tempo que levar, um dia ficamos livres de tudo que nos incomoda, chateia ou “mata” de raiva. Boa ou ruim, poucos têm alguma lembrança das roupas, sapatos, móveis e carros velhos. Ficaram para trás, se acabaram, desapareceram do retrovisor dos neurônios que ainda nos restam.
Assim são os problemas passageiros e assim são os políticos aventureiros. O que passou, passou, acabou, morreu, não volta mais. Pelo menos não deveria. Com nosso apoio ou não, já tivemos tantos e raramente lembramos de algum. Detentores de poderes efêmeros, os presidentes da República, governadores, prefeitos, deputados, senadores e vereadores também são descontinuados, anulados, finitos, interinos. Eles caducam e nem sempre são mumificados. Uns acabam jubilados, engaiolados ou defenestrado da vida pública. A maioria prescreve, fica sem efeito, isto é, deixa de ter valor legal perante a sociedade.
Eles passarão. Nós passarinho! Então, por que insistirmos com a bobagenta e envelhecida tese da polarização. Essa idiotice já virou paranoia para os extremistas à direita e à esquerda. Normalmente, o que vemos é o roto esculhambando o esfarrapado. A obrigação do silêncio forçado é o que resta àqueles que ainda raciocinam e que sonham com um Brasil realmente para todos. Como sempre foi. Pior para os que pensam é assistir diariamente um e outro e outro lado alardear, sem provas concretas, que os gritos, as manifestações e as orgias políticas que produzem são em benefício do resgate da democracia. Querem resgatar mais o quê?
Será que não existe vida além de Luiz Inácio, de Jair Bolsonaro e de seus fanáticos seguidores? Será que, entre 212,6 milhões de pessoas e um suprapartidarismo absurdo, não há mais ninguém em condições de se apresentar para gerenciar a Pátria Amada? O povo esquece fácil que até mesmo ele (o povo) passará. Lula e Bolsonaro ainda não são coisas do passado, mas amanhã certamente os personagens que incorporaram serão páginas viradas. Xuxa paxou. Silvio Santos e Faustão igualmente paxaram. Entre outros, JK, Jânio Quadros, os generais de 1964, José Sarney, Collor de Mello, FHC, Roberto Campos, Delfim Netto, Ulysses Guimarães e Ibsen Pinheiro tiveram tanto ou mais poder. Hoje, todos estão enterrados física ou politicamente. Eles xumiram na poeira e, sabe-se lá como, o Brasil ainda está de pé.
Os poderosos da atualidade também virarão pó sem conseguir destruir a nação. Isto quer dizer que, por mais que sejamos substituídos pelos mais novos, o Brasil e os brasileiros permanecerão de pé. Setembro está chegando. E a boa nova é voltar a sonhar juntos. Antes que a gente vire tabaréu e vá para o beleléu, que tal seguir o conselho do compositor mineiro Beto Guedes, semear o perdão no vento e esperar brotar alguém que venha nos trazer um luminoso “Sol de primavera”. Até lá, que tenhamos pelo menos consciência de que vale a pena experimentar caminhos diferentes, principalmente quando os conhecidos se acham lendas, embora não passem de espectros, algo como o fogo e a paixão. Eles estão aí, atravancando nossos caminhos. Lembremos sempre que eles passarão…Nós passarinho!”.
*Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras