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Razão acima de tudo

Shrek das Trevas enterra País do Faz de Conta

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Junior*

Outrora grandioso, alegre, receptivo a visitantes, adorado por gregos e troianos e sem 504 mil mortes decorrentes de uma simples gripezinha, aquele reino “tão tão” distante do Hemisfério Sul tem um habitante estranho e raivoso: o abominável homem das trevas. Encantado por décadas a fio graças a lindas misses, futebol moleque, belas cidades, balneários de cinema, montanhas cinematográficas e súditos simpáticos e hospitaleiros, o reino está se desmilinguindo. Nele, quase tudo é passado. Em breve, pouco ou nada sobrará para os livros de história. Talvez um povo sofrido, picado pela raiva e de maioria arrependida. Despreparados e soberbos, alguns brincam de ser rei. Alforriados pela justiça dos homens, mas ainda sem contar sua verdade verdadeira, outros aguardam o retorno ao trono real.

O que era bom ficou mais ou menos. O que está ruim deve piorar. O que não pode ser esquecido são os sonhos de dias melhores. Esses só dependem de nosso esforço e de nosso voto. Por enquanto, não passamos de um país do faz de conta, onde suas excelências odeiam condenar culpados e amam culpar inocentes. Pior são os homens que se acham mitos eleitos para governar e não governam. Preferem semear o ódio, a discórdia, a beligerância, adoram gritar com mulheres, principalmente jornalistas, e investem alto em pessoas que, despreocupadas com a vida, insistem em receitar medicamentos que sabidamente não evitam a morte. Onde falta amor, sobram homens mal-humorados e mal-amados que matam mulheres em nome de coisa alguma. A honra eles perderam quando pensaram recuperá-la.

Onde nada é sério, brincadeira de criança também perdeu a inocência, virou coisa de gente grande e incapaz. No pique-esconde de hoje tem psicopata solto pela Justiça que só enxerga o que quer e um bando de homens armados até os dentes sem saber o que fazer e para onde ir. Por tudo isso, os súditos menos raivosos clamam por um novo rei. Como a maioria deixou de ser exigente, não há problema que tenhamos de volta um sedutor sapo enfeitiçado que um dia saiu da curva e se encantou com o glamour dos castelos de areia. Pelo menos nunca permitiu que eventuais dissabores se transformassem em destempero ou ira contra segmentos ou pessoas. Teve tudo para ser um estadista e até chegou a ser admirado. Não comprometeu o país, embora tenha comprometido sua própria história.

A chegada ao mundo do faz de conta nos traz lembranças boas e ruins. As boas é que as referências de homem público eram a polidez, sapiência, inteligência e o saber político. Cultura era coisa de eleitor exigente. As ruins é que alguns não souberam aproveitar a oportunidade que os brasileiros lhes deram para a consolidação do Brasil como nação preparada para o planeta globalizado. Para justificar a fantasia, valho-me de Oscar Wilde para lembrar que “é absurdo dividir as pessoas em boas e más. As pessoas ou são encantadoras ou são aborrecidas”. Também recorro a Paulo Coelho, que no livro Veronika Decide Morrer, recomenda ao povo que “Mantenham-se loucos, mas comportem-se como pessoas normais”. Entre todos, opto por Erasmo Rotterdam, para quem “a pior das loucuras é, sem dúvida, pretender ser sensato num mundo de doidos”. Uma nova escolha deve ser pensada imediatamente. E não pode mais ser somente com o coração.

A razão tem de estar acima de todos. Em “nossa louca necessidade de ilusão” (frase cunhada por Caio Fernando Abreu), temos de pensar coletivamente antes que, como no conto do dinamarquês Hans Christian Andersen, um alfaiate espertalhão roube as roupas do rei e o deixe nu perante os súditos. No pior cenário, talvez tenhamos de concordar com o presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Paulo Jerônimo, e reagir em 2022 ao comportamento irritadiço, descontrolado, desvairado e tresloucado de um suposto nobre no contato com jornalistas de emissoras que não lhe são simpáticas. Como disse Paulo Jerônimo, o mais grave é que esse cidadão não representa a população de um reino qualquer. Ele “é o presidente de um país com a importância do Brasil”. No fim de um conto de fadas, é necessário escolher o mocinho ou o bandido. Entre o príncipe e Shrek, fico com Shrek. Shrek é o nosso rei.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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