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Sigilo de 100 anos para ministro pode afogar Lula no próprio cuspe

Ensinamento popular que significa o retorno da crítica ou do pensamento negativo em relação ao próximo, a expressão quem cospe para cima na cara lhe cai parece ter sido cunhada sob medida para o presidente Luiz Inácio. Na contramão dos tempos de candidato à sucessão do desastroso ex-mandatário denominado mito, Lula é hoje um craque no esporte de queimação de língua. O mar de almirante e o céu de brigadeiro não estão mais tão calmos como no início e meados da gestão, iniciada em janeiro de 2023. O mar começou a ficar revolto e o céu cinzento desde que a promessa de aumento da arrecadação e déficit zero não passaram da página 2.

A aprovação da reforma tributária, os investimentos no Bolsa Família, na educação, habitação e em projetos de auxílio de renda à população catapultaram a imagem de Lula da Silva. Entretanto, para boa parte dos brasileiros tão relevante como os acertos são os erros na conexão tempestuosa com o Congresso Nacional. Óbvia e historicamente, o Executivo emperra sempre que deixa de fazer o jogo sujo do Legislativo. Para a maioria, porém, a impressão é de que atualmente, no tabuleiro político, só o rei é ameaçado. Ou seja, o xeque-mate só encurrala o governo. Como a reação é pífia, o resultado lembra a máxima do dá ou desce.

Alguma coisa precisa ser feita, sob pena de, em 2026, Lula ter de passar o bastão a um indicado de Arthur Lira (PP-AL), Rodrigo Pacheco (PSD-MG), Flávio Bolsonaro (PL-RJ) ou, na melhor das hipóteses, a um apaniguado de Valdemar Costa Neto, presidente do patriótico PL. Nesse caso, é preferível fechar o Palácio do Planalto e jogar a chave fora, antes que a catástrofe se instale em definitivo. Enquanto isso não ocorre, vale registrar que a queda de dez posições no Índice de Percepção da Corrupção no passado também contribuiu negativamente nas últimas medições sobre a administração petista, na medida em que ficou clara a inércia do presidente no combate sistemático à corrupção.

Embora supostamente necessários, nada pior para a robustez política de Lula do que os recentes e extorsivos reajustes nos preços da gasolina e do gás de cozinha. Além de ferir de morte o discurso da esquerda, os aumentos atingem em cheio o que até pouco tempo era o principal diferencial entre o atual presidente e seu antecessor: o bolso do trabalhador brasileiro. E o que dizer da imposição de sigilo de 100 anos sobre a declaração de conflito de interesse entregue pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira? Tudo de ruim. Afinal, como homem público, é um dever que seus dados pessoais presentes na declaração também sejam públicos.

E não há que se usar o mecanismo da segurança nacional para justificar a sonegação de informações de um representante do Estado brasileiro, independentemente do que ele tenha produzido de bom ou de ruim. Truque interpretativo de trechos da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), o sigilo é sinônimo de munição para a oposição “patriota”. Por isso, o povo que preza pela seriedade do governo torce para que Lula não se esqueça das promessas registradas ao longo da campanha eleitoral de 2022, entre elas a de revogar todos os sigilos impostos por Jair Messias caso fosse eleito. Foi.

Portanto, chegou a hora de pelo menos tentar evitar que o cuspe atirado na direção de Bolsonaro lhe caia na cara. Um presidente que se diz acima de qualquer suspeita não pode se dar ao luxo de somente ser honesto. Mais do que tudo, ele tem de parecer honesto. Está dado o recado: a restrição é uma aberração. Entre 2015 e 2022, o governo federal decretou 1.379 sigilos centenários. Entre mensagens da prisão de Ronaldinho Gaúcho no Paraguai, cartão de vacinação e dados relacionados à sua rotina presidencial, Bolsonaro impôs 1.108 sigilos de 100 anos, isto é 80% do total. Que Lula pense melhor, recue e não tente se afogar na própria saliva. O Brasil e os brasileiros sérios agradecem.

*Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras

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