Leandro Nunes
O Natal do ano passado em São Paulo não foi celebrado por todos. A família do vendedor ambulante Carlos Ruas não teve o que festejar após o homem ser assassinado por tentar impedir uma travesti de ser espancada no Terminal Barra Funda.
O episódio engorda as estatísticas e justifica o trabalho do ator Silvero Pereira, que encerra nesta semana a temporada carioca de Uma Flor de Dama, no Teatro Poeira. Ao lado de seu outro espetáculo, BR-Trans, o cearense criou um panorama da condição de travestis e transexuais no Brasil. “Esses relatos chegam diariamente e envolvem todos nós, é a marca de uma sociedade que finge ser uma democracia”, explica.
Agora, ele se prepara para ganhar mais alcance na discussão já que vai estrear na televisão e na nova novela de Glória Perez, A Força do Querer, que vai ao ar a partir de abril. O convite veio da própria autora que topou com o intérprete no ano passado em uma temporada no Rio, com BR-Trans. “Depois que ela assistiu à peça, pediu para falar comigo, elogiou meu trabalho e disse que estava escrevendo uma novela sobre a situação de travestis e transexuais. Glória sabia que essa tem sido minha pesquisa no teatro e, inicialmente, queria compreender o assunto. Mais tarde, ela me convidou para integrar o elenco”, conta.
No folhetim, Silvero vai interpretar Nonato, um rapaz pobre que deixa o Nordeste e vai trabalhar no Rio como motorista do empresário Eurico (Humberto Martins) e de sua mulher Silvana (Lília Cabral). O ator conta, que assim como todos os personagens da novela, ele guarda um desejo. “Nonato quer ser ator e vai investir nessa carreira.” A identificação com o personagem fez parte das conversas com Glória. A vontade de Pereira não era apenas transpor os trabalhos do coletivo As Travestidas – grupo fundado em Fortaleza, em 2004 – para a televisão. “Ela foi cuidadosa ao criar o Nonato para que eu tivesse a oportunidade de mostrar meu trabalho com outros personagens”, afirma ainda.
E será nos palcos que Nonato vai conhecer Ivana, personagem de Carol Duarte que, ao longo da trama, vai se revelar homem trans. “Vamos nos tornar amigos e vou acompanhá-la em sua descoberta de que é um homem que nasceu no corpo de uma mulher”, explica.
Antes mesmo da estreia da novela, o elenco tem sido alvo de ataques nas redes sociais, o que não é novidade, mas um caso de urgência, segundo Pereira. Ele explica que o alcance da televisão significa que terá uma grande responsabilidade. “É a chance de discutir os estereótipos e trazer o tema para a família brasileira. E, diante disso, não podemos nos acovardar”.