Do mesmo modo que o imortal Raul Seixas sonhou com a terra parando, um dia Nelson Cavaquinho pediu para que alguém tirasse o sorriso do caminho para que ele passasse com sua dor. Cartola descobriu que As rosas não falam e, mais ousado, Chico Buarque transformou em poema musicado a morte de um operário durante seu ofício. Construção ficou famosa, mas recebeu uma enxurrada de críticas exatamente por seu tom crítico. Poucos se lembram de Noel Rosa, mas ninguém esquece Conversa de botequim, letra e música que retratam a malandragem carioca e são responsáveis por levar Noel ao pedestal mais alto. E o que dizer de Garota de Ipanema, até hoje um clássico aclamado em todo mundo.
Acredita-se que a canção de Tom Jobim e Vinícius de Moraes seja a segunda mais regravada de todos os tempos, ficando atrás apenas de Yesterday, dos Beatles. São tantas as histórias musicais que sinto-me desobrigado a contá-las pela extenuação que acabaria causando. No entanto, não posso olvidar de uma que marcou minha geração. Volto a Raul para lembrar de Ouro de tolo, uma verdadeira bofetada no inconformismo nacional diante das vantagens ilusórias oferecidas pela ditadura iniciada em 1964. E nada mudou com a tropa que apoiou – e apoia – um pseudo mito, criado para tumultuar a vida dos brasileiros que, de fato, são patriotas, mas não têm necessidade de se enroscar em bandeiras, tampouco de quebrar bens públicos e caros para a sociedade.
Naquele tempo, tivemos Alegria, Alegria, letra revolucionária de Caetano Veloso que sugeria liberdade, apesar do duro contexto político do país. O vento virou uma metáfora para os generais da época, que haviam instaurado a censura e a repressão. Hoje, temos o piseiro e nada mais além de uma vontade enorme de voltar a ter o que perdemos: a criatividade. Por isso, ouço gente morta o dia e a noite inteiros. Vou de John Lennon, George Harrison, Joe Cocker, Elvis Presley, Ray Charles, Tina Turner, Cissy e Whitney Houston, Dean Ford, Michael Jackson, Bob Marley, Cazuza, Belchior, Raul Seixas, João Gilberto, Moraes Moreira, Renato Barros, Jerry Adriani, Erasmo Carlos, Gal Costa e Rita Lee, entre outras centenas de defuntos inesquecíveis da música mundial.
Não importa o sentido que queiram, mas nossa situação atual pode ser definida em algarismos romanos: VIXI. Quase sem pensar, nos tornamos o que pensamos na maior parte do tempo. Somos igual ao bordão do borracheiro da esquina, para quem nosso buraco é a alegria dele. Mesmo desconhecendo sua profundidade, nos enfiamos em qualquer buraco, inclusive o do Nicolás Maduro. Que tristeza! Depois de um passado recheado de esburacadas glórias, sou obrigado a concordar com aqueles que insistem na louca tese de que é normal chorar enquanto se transa. Sei de pessoas que choram copiosamente quando transam porque começam a lembrar que terão de pagar R$ 200 a hora, mas, com algum sacrifício, só usarão cinco minutos.
São as consequências de uma herança maldita. Por isso, defendo um mundo com tudo de novo e nada de mundo. Não sei se alcançarei esse mundo novo. De todo modo, melhor o hoje do que o ontem, quando, literalmente, escolheram um monstro para nos “proteger”. Para minha sorte, me recolhi para fugir do espirro da Covid, consequentemente das cloroquinas, ivermectinas e tubaínas. Fiz isso e, apesar da solidão, “si dei” bem. Dormi, comi, engordei, estudei, pesquisei o que queria e o que não podia, mas não consegui descobrir o verdadeiro nome do “marido” da cotia. Sugiro que não pesquisem, pois a resposta pode ser desagradável, principalmente para os considerados machos alfa.
Quanto à solidão, hoje nem as moscas espanto mais. Prefiro a companhia delas do que o sussurro indecente dos estultos, aqueles que, em vez de produzir riquezas, produzem ricos. Por tudo isso, estou começando a ter certeza de que, pelo menos em alguns casos, o melhor do Brasil não é mais o brasileiro. Na verdade, estou a ponto de surtar e recomendar ao gato que, respeitosamente, atire o pau na Dona Chica. Como cristão, sei que devo perdoar os que atentam contra a lei e contra a ordem, mas esquecer do 8 de janeiro é impossível. Aos vândalos, o que há de pior no inferno, inclusive o que já virou bosta. Em suma, perdoar é divino, mas mandar à merda é sensacional!!!