Antes da epifania do “Nunca na história deste país”, o Brasil tinha sido o país do futuro, do milagre econômico, do ame-o ou deixe-o e do eu te amo meu Brasil. Inspiração de políticos ociosos, lampejos de sossegados usuários de coturnos, revelação de espíritos do mal incorporados em pessoas supostamente do bem ou visão exagerada dos “patriotas” iluminados por deuses sem representação, o exacerbado ufanismo já vivido por boa parte da população brasileira confundiu do ex-presidente da França, Charles de Gaulle ao líder da Igreja Católica, o papa Francisco.
Inegavelmente, somos um celeiro de formosura natural. Nossas montanhas, as belas praias, a abundante riqueza mineral, agrícola e pecuária viraram canções e poesias nos quatro cantos do mundo. Como fatos geradores da inveja mundial, temos a exuberância amazônica, o carnaval, o futebol e a beleza de nossas mulheres. Para matar meio universo de raiva, não temos maremoto, tsunami, tufão, terremoto, vulcão, tampouco Donald Trump. Como contrapartida, convivemos com redemoinhos políticos diários, somos vizinhos de Javier Donald Milei, tivemos Jair Trump Bolsonaro, temos Luiz Inácio e ainda não sabemos quem teremos a partir de janeiro de 2027. Em suma, dificilmente seremos mais do que somos.
Pelo contrário. Na pegada que vamos, ainda chegará o dia em que seremos o Brasil do nunca mais. Mais do que inveja, nossos exageros ufanistas nos trouxeram dissabores e nos transformaram em piadas reveladoras. Por exemplo, para Charles De Gaulle, não somos um país sério. Apesar do tom brincalhão, o papa Francisco foi fundo ao definir a falta de religiosidade de expressiva parcela do povo brasileiro: “Não tem salvação. É muita cachaça e pouca oração”. Acertou em cheio. Exageradamente religiosos só os pagadores de dízimo para as igrejas dos pastores de ovelhas cegas, surdas e mudas, mas sempre à espera do milagre que jamais virá.
Por aqui ainda afloram desde propedeutas e apedeuta a jogadores de futebol, rappers, moças de fino trato e alto custo, empresários do agronegócio e do crime organizado e políticos do tipo falsos varões. É essa pluralidade humana que nos garante uma sociedade multifacetada e majoritariamente (?) orgulhosa de ser brasileira. Conforme recente pesquisa do Instituto Datafolha, 67% dos entrevistados têm orgulho de ser brasileiro. Os números também mostram que 29% sentem “mais vergonha do que orgulho”. 3% não sabem ou deram outras respostas.
Curiosamente, a polarização política contaminou a população. De acordo com os números do Datafolha, 57% têm medo do futuro, contra 41% que acredita em dias melhores. Sobre o sentimento em relação ao país de hoje, 53% se manifestaram com mais esperança do que medo. O medo é maior do que a esperança para 46% dos pesquisados. O desânimo atingiu 59% dos brasileiros e a animação alcançou somente 39%. O dado mais relevante diz respeito à tristeza do povo. São 63% tristes e 34% felizes. Uma pena para uma nação que foi menina dos olhos de milhares de milhões de turistas.
É o preço a ser pago pela sequência de escolhas erradas. Infelizmente, não vislumbro mudanças a curto e médio prazo. Ou seja, continuaremos à mercê daqueles que imaginariamente nos representam. Tudo indica que, por conta de nossa despreocupação, permaneceremos como país da paixão por futebol, por carnaval, por política e por corrupção. Comandados há décadas por intelectuais de direita ou de esquerda, sofremos sorrindo e sempre tomando no centro. Enfim, como discordar de De Gaulle se um dos maiores investimentos dos últimos governantes é na ignorância da população. Desse modo, jamais seremos sérios.
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Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978