Carmen varreu tanto chão na vida, que não seria exagero afirmar que toda poeira que ela tinha retirado das casas por onde havia passado, caso fosse possível juntá-la, daria para construir um outro Pão de Açúcar. E lá estava a dita cuja carregando aqueles calos nas mãos, o suor escorrendo da testa, quando finalmente catou o último pó do dia.
Nem sentiu alívio, pois sabia que a rotina continuaria no dia seguinte, fosse segunda, terça, sábado, domingo ou até feriado. Não dava para sonhar com o luxo de se espreguiçar numa rede suspensa por dois coqueiros em uma praia de areia macia. Definitivamente não! Pelo menos não naquela vida miserável que se arrastava há anos.
Já na calçada, caminhava grudada às suas varizes que, de tão grossas, poderiam ser dissecadas facilmente por um médico em uma futura necropsia. Nem sabia se sentia dor. Devia estar acostumada ou, então, nem se lembrava dessa sensação de vida.
Tentou pegar o primeiro ônibus, mas, de tão cheio, as portas nem se fechavam, como se fossem um gorducho tentando, inutilmente, fechar o zíper depois de uma feijoada. Tarimbada, decidiu aguardar pelo próximo, que chegou quase duas horas depois. E, apesar do cansaço da longa espera, pareceu que havia valido a pena. O caixote veio praticamente vazio. Carmen poderia se sentar e tirar um cochilo até perto de casa.
Acomodou-se em uma das cadeiras mais ao fundo. Esparramou-se, já que não havia viva alma no assento ao lado. Adormeceu como há muito não o fazia. Tudo parecia como num sonho bem sonhado, desses que não queremos despertar. Todavia, não demorou muito, Carmen começou a sentir os solavancos do ônibus.
A suspensão, de tão gasta, parecia não suportar nem mesmo o menor defeito da pista. Mal saía de um tremelique, o coletivo começava outro, numa infinidade de convulsões. Revoltada, Carmen não se conteve e gritou: “Ô, motorista, eu paguei a passagem de ônibus, não foi a entrada pro baile!”