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Crise em xeque

Solta o verbo, juiz, e abandona o farisaísmo

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Luis Carlos Alcoforado

No mundo, os juízes são muito silenciosos quando externam suas opiniões pessoais ou jurídicas sobre determinadas questões que interessam à sociedade.

Sob o princípio da imparcialidade, dificilmente revelam entendimentos precoces ou prévios, porque se guardam no compromisso de julgar ou emitir compreensões apenas em ambiente reservado ao exercício jurisdicional de suas respectivas competências funcionais.

Vigia o axioma segundo o qual o juiz somente deveria limitar-se a falar nos autos do processo, sob sua responsabilidade.

Como ponto cardeal, o juiz pode ou deve falar, mas depois de julgar a causa, para explicar, se reputar necessário, à sociedade o porquê de sua decisão, especialmente em caso de grande repercussão pública.

Julgar consiste num dos mais complexos e difíceis exercícios da alma, por força da dialética com interesses antagônicos, ao tempo em que a consciência do julgador peleja para se salvar da injustiça.

Castigo pior sofre aquele que se vê julgado, sem o devido processo legal, sem ampla defesa, com base em opiniões e manifestações de juiz, que se precipitam em emitir juízo de valor, segundo a convicção de seus sentimentos e interesses.

No Brasil, no geral os juízes se guardam na sua intimidade e se preservam no seu ofício, ressalvados excessos ou extravagâncias daqueles que se qualificam, mesmo sem a competência funcional definida (juiz natural), a dialogar com o mundo, como irradiasse a expressão definida de um arquétipo de justiça.

O juiz é também destinatário dos princípios que regem o exercício da cidadania, razão por que, pela sábia regência constitucional, são sujeitos da garantia da liberdade da manifestação do pensamento, como expressão de premissas racionais teóricas ou abstratas, a qual se estende o direito que se assegura a todo cidadão.

Não seria razoável que, dos três poderes, se silenciassem os membros do Judiciário, com a proibição absoluta do direito à manifestação do pensamento.

A Constituição da República, ao estabelecer as vedações aos juízes, não insere a interdição ao livre exercício da manifestação do pensamento.

O juiz tem o direito (garantido constitucionalmente) de emitir opinião e manifestar livremente seu pensamento.

Já a Lei Orgânica da Magistratura proíbe aos magistrados emissão, por qualquer meio de comunicação, de opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério.

Logo, o regime jurídico brasileiro é mais que tolerante com o direito de o magistrado exercer a prerrogativa de extravasar seu pensamento, sem censura.

O Judiciário parece à sociedade uma assombração, um mundo nebuloso, pelo jogo intricado das regras jurídicas, notadamente as processuais ou procedimentais, e pela influência de jargões, indecifráveis ao domínio do cidadão.

Importa ao funcionamento das instituições e dos Poderes de Estado que a sociedade conheça o pensamento de seus membros, como valorização do princípio da transparência e da publicidade.

O bom juiz é aquele cuja intelecção seja conhecida pela sociedade em relação a questões que dizem respeito aos direitos do homem, haja vista que a estabilidade de suas convicções inibe inovações perigosas que tramam contra a segurança jurídica, referência para a pedagogia e profilaxia na conjugação das relações sociais.

O censurável, como regra de conduta e menos de proibição, é a situação em que o juiz se comporta como interlocutor de suas ideias possessivas, sob a força do cargo, para dinamitar a guarda dos preceitos ínsitos ao prejulgamento ou à suspeição.

Exige-se do magistrado comportamento prudente e equitativo, quando pretende liberar-se das amarras da magistratura, ao opinar sobre questões que estão ou serão jurisdicionadas.

A imparcialidade objetiva se exprime na conduta do magistrado que, malgrado seja culto e capacitado para debater temas inclinados às questões nacionais ou mundiais, jamais expressa, previamente, sua posição subjetiva em meios de propagação ou de comunicação, num claro farisaísmo.

Nos tempos de grandes realinhamentos de transformações dos Poderes de Estado, por força da dinâmica das ciências humanais e das necessidades de afirmações de valores novos que dignificam a civilidade como valor universal, não há espaço para censura ou proibição.

Assim é que os juízes deveriam falar, mas falar mais a fala do povo do que do Judiciário, sibilino e ainda muito indisposto a dialogar com a simplicidade do ato de fazer Justiça.

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