Notibras

Solto, fumando, Belarmino fica preso ao passado

Belarmino, mal saiu pelo enorme portão de ferro, teve os olhos ofuscados pelos raios solares. Apertou as vistas e, em seguida, quis abri-las para sentir ao máximo toda aquela liberdade. Aos 42, ele havia passado mais da metade da vida atrás das grades, sendo que, os últimos 17, sem qualquer direito a saídas. Ou, no linguajar dos detentos, o homem havia puxado 17 anos no arame.

Sem muito estudo, acabou conseguindo um emprego de ajudante de pedreiro. O salário mal dava para as despesas. Não que fossem tantas, pois Belarmino fora morar no quartinho de fundos da casa de uma sobrinha, a Dolores, que era casada com Marcos, um próspero corretor de imóveis da região de Taguatinga. Todavia, apesar dos gastos não serem tantos, a necessidade era tamanha, que logo sentiu desejo de viver, em um ano, tanto tempo perdido.

Não raro, Belarmino acordava suado durante as madrugadas. Era difícil aceitar que não precisava mais se esquivar da navalha de um desafeto. Corpo teso, adrenalina corria nas veias saltadas dos seus braços. Sentado na cama, puxava um cigarro barato do maço. Fumava um, dois, às vezes até cinco, enquanto lembranças o atormentavam.

O pensamento o levou a uma noite quente na cela, que dividia com exatos 42 detentos. Ele, que era um dos mais antigos, estava deitado próximo às grades, uma posição privilegiada, que aplacava aquele estado deplorável. Até uma leve brisa corria pelo corredor da prisão naquele dia e, relaxado, adormeceu. Um erro.

Uma dor intensa no peito o despertou. Calango Doido, que buscava alcançar o topo da pirâmide, havia esfaqueado Belarmino. Por sorte, a faca encontrou o esterno do homem. Partiu-se, momento em que, agora de olhos bem abertos, Belarmino arrancou o pedaço espetado em seu peito e, sem pensar, o enfiou direto no pescoço do seu algoz.

Calango Doido levou as mãos ao próprio pescoço, mas já era tarde para se fazer algo. Não conseguiu gritar, pois foi sufocado pelo próprio sangue, que jorrou. Agonizou por não mais de dois minutos. Morreu ali diante daqueles 42 homens. Por coincidência, a mesma idade de Belarmino hoje, que continua preso ao seu passado.

Sair da versão mobile