Desde há muitos anos, antes mesmo da Constituição de 1988, durante a gestão de Romero Jucá como presidente da Fundação Nacional do Índio – Funai, conheci um senhor, empresário do ramo de mineração e de origem africana, que se dizia ser o descobridor do ouro existente na Terra Indígena Yanomami. “A gente puxava uma toceira de capim e vinha, junto com a terra, o ouro que era abundante”, afirmava.
Já nessa época, havia o problema de invasão dos garimpeiros ilegais naquela Terra Indígena que possui 9,6 milhões de hectares, homologada desde 1992, e hoje com cerca de 30 mil habitantes distribuídos em 363 aldeias nos estados do Amazonas e Roraima, em ampla fronteira com a Venezuela.
No período em que o advogado e ex-procurador do Estado de Goiás, Sulivan Silvestre, indicado por Íriz Rezende, presidiu a Fundação Nacional do Índio – assumiu em 21 de agosto de 1977 e permaneceu até sua morte, aos 36 anos de idade, em trágico acidente aéreo, nas proximidades do aeroporto de Goiânia, na noite de 2 de fevereiro de 1999, com a queda do avião Embraer 120, um Sêneca de prefixo PT-EQZ –, coordenei, na sede da presidência da Funai, no Edifício Lex, em Brasília, o planejamento da primeira grande operação para retirada de garimpeiros ilegais que já ocupavam o território Yanomami.
Na época, estimava-se entre cinco mil a oito mil garimpeiros já instalados e promovendo prejuízos ambientais e às aldeias, no assédio às índias e ocasionando o início da proliferação de doenças sexualmente transmissíveis.
O planejamento para a retirada dos garimpeiros contou com a presença do Ministério Público Federal e demais órgãos parceiros da causa indígena.
A execução da operação para a retirada dos garimpeiros invasores na Terra Indígena Yanomami teve resultados satisfatórios. Porém, faltou a segunda etapa, o quê fazer, depois da retirada dos invasores, com a ocupação, pelos órgãos de Estado, dos espaços antes invadidos pelos garimpeiros ilegais.
Essa proposição, de se pensar no pós-retirada dos invasores, foi por mim posta, naquela ocasião, na mesa de reuniões da presidência da Funai e que deveria compor o planejamento global. Infelizmente, o presidente Sulivan, no que pese seu falecimento e, portanto, não poder contestar minhas palavras, foi categórico ao afirmar que isso seria visto depois. E, ao que me consta, até os dias atuais, não foi feito.
Sabe-se dos elevados custos operacionais para a retirada dos garimpeiros invasores, na atualidade, com certeza, acima de 20 mil e com todo aparato operacional e logístico muito superior à dos anos iniciais, quando eram os cerca de cinco a oito mil agentes ilegais que já destruíam o ambiente e levavam prejuízos às comunidades indígenas Yanomami.
No entanto, por mais caro que seja, há, sim, que se pensar, e executar, como ocupar e manter a ocupação dos espaços então liberados pela ação das forças de Estado, como Ibama, a própria Funai, Ministério Público Federal, Polícia Federal, Forças Armadas, Sipam, Universidades e Secretarias Estaduais de Meio Ambiente, Polícias Militares dos Estados do Amazonas e Roraima, a Força Nacional, tão requisitada e sempre com obtenção de excelentes resultados em suas operações, Secretarias Estaduais de Saúde e demais órgãos parceiros, como as próprias organizações indígenas.
Há que se dispor de meios logísticos de longa duração, ao se pensar nas ações imediatas e de médio e longo prazos, de modo a se retirar, o mais breve possível e puni-los na forma mais rigorosa que a Lei permite, todos os infratores, sejam garimpeiros, financiadores, transportadores e todo e qualquer tipo de apoiador aos garimpos ilegais.
As ações não devem limitar-se ao trabalho emergencial das forças-tarefa de saúde que estão em curso. Devem, sim, recuperar as estruturas de apoio às comunidades indígenas Yanomami, com trabalhos no combate à malária, apreensão de todo e qualquer tipo de equipamento utilizado nos garimpos ilegais, destruição das pistas de pouso de apoio aos garimpos, bem como se iniciar, desde já, os trabalhos de recuperação de todas as áreas degradadas pelas ações dos garimpeiros, com reflorestamento nas áreas degradadas, despoluição onde for ainda possível, recuperação das atividades produtivas com instalações adequadas, aquisição de ferramentas e equipamentos de produção e, principalmente, manutenção de equipes permanentes de servidores e técnicos, protegidos pelas forças de segurança e que possibilitem a recuperação e manutenção da qualidade de vida, até que se garanta a sua autossustentação de um Povo Indígena há anos submetido ao quase total abandono pela Funai e demais órgãos de Estado que lá deveriam estar, diuturnamente, prestando seu inestimável apoio e garantia à sua livre sobrevivência como sempre foram e assim devem continuar.
*Engenheiro florestal ambientalista, servidor aposentado da Funai. Como coordenador do Patrimônio Indígena, participou de diversas operações de proteção de terras indígenas, levantamentos ambientais e atividades produtivas.