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Soluções mágicas não resolvem as contas do governo brasileiro

A divulgação do rebaixamento da nota de crédito do Brasil pela agência Standard and Poor”s, tirando o país da lista de bons pagadores, não foi nenhuma surpresa. Essa possibilidade já vinha sendo aventada desde agosto, quando a agência Moody”s rebaixou a nota do país, apesar de ter mantido o grau de investimento.

Como de hábito, ficava a esperança de que nada acontecesse e que, com os tímidos movimentos em mostrar que alguma coisa estava sendo feita em termos do ajuste fiscal, a manutenção do selo de grau de investimento poderia ocorrer. Mas como um balde de água fria, fomos surpreendidos pela notícia de que os títulos do governo brasileiro, emitidos em moeda estrangeira no mercado financeiro internacional, passaram a ser classificados como junk bonds, ou seja, papéis que valem tanto quanto lixo.

Apesar de todas as responsabilidades que cercam o exercício de governar, somente agora o governo decidiu tomar uma atitude, acelerando as providências para ajustar suas contas, buscando equilibrar a relação entre arrecadação e gastos governamentais, e ainda com o objetivo de gerar uma poupança, de 0,7% do PIB, para poder pagar parte dos juros da dívida interna do governo –que acumula em 12 meses, até junho deste ano, a cifra de R$ 347 bilhões.

Trancafiados pelos corredores palacianos num final de semana, apresentaram na última segunda-feira uma “carta de intenções” para solucionar o problema do desequilíbrio fiscal, como se nesse prazo pudesse surgir uma solução mágica para um problema que se arrasta há mais de uma década.

O que foi apresentado à nação e ao mundo, como não poderia ser diferente, nada mais é do que uma lista de cortes no gasto e aumento da arrecadação. Em resumo, um conjunto de propostas de soluções, pontuais e com prazo determinado, que ainda precisa ser negociada com os servidores, com o Congresso Nacional e com outras instituições atingidas.

No que diz respeito a nós contribuintes, -sem o poder de negociação, papel que caberia aos senhores parlamentares-, unilateralmente seremos obrigados a contribuir para o aumento da receita do governo, que reduz o nosso poder de consumir e economizar ao longo do tempo, ou seja, tira um pouco mais do nosso bem-estar.

Não é através de afogadilhos que se resolvem problemas dessa natureza. Em vez de postergar reajustes salariais do funcionalismo, suspender concursos públicos, eliminar abonos de permanência, tornar efetivo o controle do custeio administrativo, todas elas medidas com prazo de validade limitada, não seria melhor uma reforma administrativa ampla e irrestrita?

Em vez de mexer no emblemático sistema S (Sesi, Senai, Sesc, Senac, Sebrae, entre outras instituições de interesse de categorias profissionais), e resgatar a CPMF para cobrir o deficit da Previdência, não seria providencial partir para uma reforma do sistema previdenciário? Em vez de revisões de arrecadação, aumento dos impostos na alienação de bens, ou do próprio retorno da CPMF, não seria mais saudável partir para uma efetiva reforma tributária?

Condições estruturais

As discussões e comentários após a reclassificação do rating do Brasil, bem como as soluções apresentadas pelo governo e as previsíveis dificuldades que o governo enfrentará em sua implementação, constituem um pequeno detalhe dentro de um contexto muito maior quando se fala do risco soberano ou risco país.

Além da questão fiscal, e que pouco se fala, está o elemento mais importante, que é a continuidade política. No cenário político vemos um governo com total inanição, repaginando antigos programas incompletos, nada mostrando de novo, e com uma grande dificuldade em se relacionar com o Congresso, tornando incerto os rumos que o governo venha a tomar. Isso traz natural apreensão à sociedade e ao investidor estrangeiro, seja produtivo ou especulativo, num clima de total incerteza, que se deteriora a cada dia que passa.

E enquanto o executivo patina, as condições estruturais da economia vão se debilitando cada vez mais, notadamente no que diz respeito à educação que, apesar de ser o mote deste segundo mandato (Pátria Educadora), está engavetado. A saúde pública, especialmente nas regiões mais pobres do país, em situação crítica com falta de médicos, medicamentos e, pior, leitos.

Já as estatísticas da segurança estão em níveis alarmantes e retratam o grau de insegurança dos grandes centros urbanos. E se isso não bastasse, há uma infraestrutura precária, especialmente no que diz respeito à mobilidade urbana.

Outras questões não são menos relevantes, como o grau de privatização da economia, ou o grau de intervenção do governo na atividade econômica, seja via participação direta em empresas produtivas ou de prestação de serviços, seja na fixação de preços. Os atrasos burocráticos das instituições, o cumprimento dos contratos, custo da mão de obra e a sua produtividade, falta de mão de obra especializada, infraestrutura em logística debilitada, extensão da corrupção no país, formam um outro conjunto de fatores que são também considerados na apuração do grau de risco de um país.

Diante deste cenário pode-se verificar que o resgate do selo de investimento (investment grade) não passa apenas pela questão do ajuste fiscal. Exige, sim, uma atenção maior para dar condições econômicas estruturais para resgatar a confiança das empresas e assim voltarem a investir.

Não só para adequar e expandir as condições de produção, como também para dar maior competitividade ao produto nacional, através de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, e adotar melhores métodos de produção na busca de maior produtividade, contribuindo assim para um melhor controle do processo inflacionário. Aí sim, quem sabe, deixaremos de ser o eterno país do futuro para sermos a nação do presente.

Otto Nogami

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