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Sonho de gataria em Manaus promete mais sucesso que boi-bumbá

Otto é um gato nascido em Manaus. Vive numa casa enorme, cheia de árvores, na companhia de mais de 20 outros felinos. Ele é o rei do pedaço, ou acredita ser. Ao acordar de uma soneca de 12 horas, espreguiça-se e depois ataca o bichano mais próximo, dando-lhe um tapa.

Sem maldade, só para cumprimentá-lo. É o seu “Bom dia, amiguinho”. Em compensação, gosta de seus escravos humanos e sempre os trata bem, roçando seu corpo gordinho nas pernas deles enquanto andam.

Otto tem um grande amor e duas convicções inabaláveis. A paixão de sua vida é a gatinha Dandan. Ela jamais levou um tapa de Otto, uma unhada, uma mordida de tirar sangue. Em vez disso, ele lambe o focinho dela, cheira-lhe delicadamente o fiofó e sempre encosta seu dorso no dela.

Dandan retribui, toda dengosa. Mas ficam nisso, os pobres, que ambos são castrados.

A primeira convicção de Otto é a de que eles, os gatos, são os donos de Manaus.

– Como é que chamam quem nasce aqui? – pergunta sempre aos outros gatos.

– Miauara, certo? E ninguém mia, só nós, ou tão lindamente quanto nós. Logo, somos os donos de Manaus!

– Acho que o nome não é bem esse… – disse timidamente um gato amarelo, que morre de medo de Otto.

– Tá me chamando de mentiroso? – Otto partiu pra cima dele, mas o amarelão conseguiu fugir, sem levar – dessa vez – um tapa na orelha.

Satisfeito, Otto retomou a narrativa.

– Outra coisa, por que nossos escravos nos tratam tão bem? – Ele mesmo respondeu: – Porque somos seres superiores. Mas também – e balançou a patinha, didático, na direção dos outros gatos – porque deixamos que morem aqui, somos os donos da cidade!

Esse discurso se repetia todos os dias. Os demais gatos, até Dandan, morriam de tédio, mas ninguém ousava contrariar Otto, o terrível.

A outra convicção é que era preciso organizar, em Manaus, um festival muito mais bonito que o de Parintins.

– Nada de boi-bumbá! – explicava pela milésima vez aos outros felinos. – Gato-bumbá! Boi é um bicho desajeitado, gato é muito mais elegante e ágil. Imaginem nossos escravos dançando, vestidos de gato. Que saltos lindos dariam!

E expunha, a seguir, o seu desejo mais profundo.

– E nada de Garantido e Caprichoso, são nomes horríveis! – E, alisando os bigodes, fingia refletir, embora a gataiada estivesse farta de saber o que vinha a seguir. – Podia se chamar…hum… gatos-bumbá Otto e de Dandan. Esses sim, são nomes lindos! Nomes de gatos para um festival de gatos na cidade miauara!

Por enquanto, o gato-bumbá é apenas um sonho. Drummond dizia que “nesse país é proibido sonhar”, mas falava dos humanos, não de outros viventes.

Nesse país, os gatos têm, sim, permissão para sonhar. E especialmente os indômitos felinos de Manaus, a miauara, capazes de encarar ferozes piranhas com suas garrinhas.

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