“Os mortos estão vivos”, recita Sam Mendes, diretor inglês que comanda seu segundo (e possivelmente último) filme da franquia de James Bond, chamado 007 Contra Spectre, com estreia marcada no circuito nacional para a próxima quinta-feira, dia 5. “Há uma razão para termos escolhido iniciar o filme com uma cena de ação na Cidade do México, justamente na comemoração do Dia de Los Muertos. Os mortos estão vivos. E isso tem muita ligação com essa história. É o máximo que eu posso dizer.”
Era 14 de junho de 2015, o dia 130.° de filmagem deste que é o 24.º longa da história do espião fictício mais famoso do mundo. Jornalistas de todo o globo – reunidos pela distribuidora Sony Pictures -, sentados em uma sala espaçosa em Cancún, no México, viam e entrevistavam elenco e produtores de 007 Contra Spectre por meio de videoconferência. O temporal tropical do lado de fora dificultava a chegada do sinal de vídeo e voz, mas funcionava como um aliado para parte da produção do filme, que se esforçava para manter detalhes da trama em segredo naquele momento.
Até mesmo o rosto do vilão do filme, interpretado pelo duas vezes vencedor do Oscar Christoph Waltz, era escondido pelas sombras no primeiro trailer. Sabia-se apenas o que a entidade Spectre, uma organização cujo nome é a sigla em inglês para Executiva Especial de Contrainteligência, Terrorismo, Vingança e Extorsão, estaria de volta à vida de Bond, depois de um longo imbróglio judicial iniciado enquanto Ian Fleming, criador de 007, ainda era vivo, nos anos 1960.
Com o passar dos meses até o enfim lançamento do quarto longo protagonizado pelo inglês Daniel Craig, mais e mais da trama foi divulgada. E Bond é, cada vez mais, caçado pelo passado que há tempos o assombra. 007 Contra Spectre faz o possível para concluir o trabalho iniciado por Craig no ótimo 007 – Cassino Royale, de 2006. Depois dessa estreia, vieram o mediano 007 – Quantum of Solace (2008) e o arrasa-quarteirão 007 – Operação Skyfall (2012).
Cada um dos três anteriores é citado em Spectre, como se tudo não passasse de uma mesma narrativa, algo não usual para a mitologia de Bond. O espião já foi interpretado por Sean Connery, George Lazenby, Roger Moore, Timothy Dalton e Pierce Brosnanantes de Craig, e os filmes sempre compunham uma espécie de antologia de historias do personagem, sem a necessidade de se estabelecer uma cronologia e tramas interligadas. Agora, não. Acontecimentos do fim de Cassino Royale têm impacto direto na vida do personagem.
Sam Mendes, diretor que havia dito que não voltaria para a franquia depois de Skyfall, mas mudou de ideia e comanda o novo longa, teve o trabalho de criar as conexões entre Spectre e os três antecessores e fazê-lo de forma didática. Esforçou-se para tornar esse novo potencial blockbuster em um produto que pudesse ser consumido de forma única e também encerrasse um ciclo. Referências foram espalhadas pelas mais de duas horas de filme para fazer a alegria dos fãs mais ortodoxos.
“Só aceitei voltar porque pedi para que adiassem em seis meses o início da produção. Precisava me regenerar. Fiz uma peça de teatro. Foi importante ficar esse tempo longe para descobrir onde mais eu poderia chegar com essa franquia”, contou Mendes.
Mendes se viu preso, no bom sentido, aos personagens que ele introduziu em Skyfall, caso do novo M, chefe de Bond interpretado por Ralph Fiennes, o mestre da tecnologia Q (Ben Whishaw) e a agente Moneypenny (Naomie Harris). “Queria contar um novo capítulo da história deles.”
Spectre também introduz novos personagens na trama, caso de Franz Oberhauser, vilão vivido por Christoph Waltz, e as bond girls Lucia (Monica Bellucci) e Madeleine Swann (Léa Seydoux). A última, aliás, segue a tradição da “era Craig” de Bond, e foge do estereótipo criado para as bond girls, com corpos de fora e roupas mínimas. “Ainda estamos filmando, então, é difícil falar da personagem. Mas ela mudará a vida de Bond para sempre”, diz Léa.
Moneypenny, de Naomie Harris, desde Skyfall, também interrompe o estabelecido na mitologia de Bond, de mulheres indefesas, e vai para a ação. Para ela, é um reflexo da sociedade atual. E que se faz extremamente necessário em um filme com um alcance tão grande quanto esse – o longa de 2012 reuniu US$ 1,1 bilhão em bilheteria. “Fico muito contente que Moneypenny seja essa personagem. É o que as mulheres querem ver no cinema. Elas querem se identificar com isso.”
É sinal dos tempos. Bond sangra com Daniel Craig, tem falhas e comete erros. Se franquias de espionagem como de Jason Bourne chegaram a abalar as estruturas de James Bond e suas histórias, foi preciso uma revitalização do personagem. A presença de Craig foi fundamental para que isso desse certo. Hoje, o ator vive de incertezas sobre voltar ou não ao personagem pela quinta vez, mas é elogiado por seus companheiros de cena. Waltz entende que Bond “é a mitologia moderna”. “Vivemos nele. E ele vive por nós”, analisa o ator.
Nove anos como Bond, Craig tenta não se levar pelo tormento do personagem. “Busco viver da forma mais natural possível”, diz. Diferentemente do personagem em Spectre, o ator não tem com o que se preocupar. “Tento ir às lojas sem ficar olhando para trás, achando que alguém vai me atacar.”