O período de janeiro a julho foi o mais quente dos últimos 50 anos no Sul e no Sudeste do Brasil, revela uma análise inédita. Ou seja, desde que as temperaturas mínimas começaram a ser medidas e analisadas no Brasil. O fenômeno em curso é mais complexo e de longo prazo do que as costumeiras mazelas do El Niño.
Para cientistas, tem a marca de mudança climática. E se este inverno exibe cara de verão, o verão de verdade terá jeito de inferno, indicam as previsões climatológicas. Mesmo que a temperatura fique mais amena nos próximos dias, o calor continua a ser a tendência dos meses que vêm aí.
— Este inverno marca um período especialmente quente de uma tendência de aquecimento que registramos desde os anos 60. O El Niño só esquentou ainda mais o que já aquecia — diz o climatologista José Marengo, um dos maiores especialistas em El Niño e mudanças climáticas da América Latina, do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden).
Marengo observa que é preciso ainda realizar mais estudos para ter certeza de que a causa seja mudança climática associada à ação humana. Isto porque o clima é um dos sistemas mais complexos da natureza. A elevação das temperaturas ao longo de todo o ano pode ser resultado de uma combinação de fatores que vão desde o aquecimento dos oceanos, passam por flutuações naturais e chegam ao aumento da concentração de CO2 e outros gases-estufa na atmosfera devido à ação humana.
— A tendência é termos mais noites quentes (e dias também), e os dias e as noites frios diminuírem de frequência. Isto é, ainda que possamos ter algumas noites frias, os invernos tendem a ser mais quentes. Este ano, com o El Niño para piorar, o período de janeiro a julho foi o mais quente desde 1960 — explica o cientista.
Segundo ele, as mínimas do mês de julho foram entre 3 e 4 graus Celsius acima do normal nas regiões Sul e Sudeste.
— De fato, essa anomalia se enquadra no modelo de mudança climática. Os modelos previam exatamente esse tipo de alteração — salienta o pesquisador.
O El Niño é originado da elevação das águas do Pacífico Equatorial. Mas este não é o único oceano a aquecer. O Atlântico e o Índico também estão mais quentes.
— O que vemos é um cenário de extremos. Tanto de calor quanto de frio. Mudança climática não significa apenas aquecimento. Ela é desequilíbrio — explica Marengo.
Julho foi o ano mais quente da História em todo o mundo. Ondas de calor mataram em Índia, Paquistão e Japão.
— Os extremos de temperatura aumentam as médias. Mas isso não significa que você não possa ter dias muito frios em meio a um período quente — diz.
O mesmo acontece com a chuva e a seca.
— O que muda não é o total de chuva, por exemplo. Você pode ter o mesmo volume de precipitação, mas concentrado em poucos dias. O resultado são tempestades devastadoras cercadas por longos períodos de seca. Temos visto isso acontecer e sabemos que as consequências são mais desastres naturais e desabastecimento dos reservatórios — frisa Marengo.
Ele acha improvável que a estação das chuvas — a primavera — traga alívio para o baixo nível dos reservatórios do Sudeste. Será preciso que chova muito em setembro e outubro. Bem mais provável é a elevação do calor.
— Tudo indica que este verão será mais quente. Há uma clara tendência de aumento nos últimos anos — diz.
Um verão quente é um verão caro. As pessoas gastam mais energia com aparelhos de ar-condicionado e ventiladores. Também consomem mais água. E ficam mais doentes.
— O verão do Brasil não chega a matar tanto quanto na Índia, por exemplo. Mas sabemos que há mais casos de problemas cardíacos e outras complicações associadas ao calor extremo. Essas mortes são subnotificadas porque as pessoas acham o calor natural. Mas ele não é. E sobrecarrega o organismo, principalmente o coração e os rins — afirma.
O pesquisador diz que já superamos a fase de discutir o que farão as mudanças climáticas. Isso já pode ser sentido na pele. Chegou o momento de saber o impacto delas para a população.
— Vivemos numa era de extremos, que trazem desastres e novos desafios. Chuva intensa e concentrada significa morte e escassez. Nossa alternativa é buscar soluções — destaca.