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Albertino

Sufocado, gerente deixa BB e vai curtir bola de gude

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Reprodução/Canal Nostalgia

Faltava-lhe dinheiro? Não. Na verdade, levava uma vida com inúmeros luxos que o cobre pode proporcionar. É certo que ainda não havia comprado uma Ferrari, mas desfilava com sua bela BMW conversível pelas ruas.

Seu nome? Em nada muda o ocorrido naquele dia, mas vá lá. Albertino. Todavia, bem que poderia ser Diego, Joaquim ou Afrânio, pois isso não acrescentaria ou deixaria a história incompleta. No entanto, imagino que há pessoas que gostam de se apegar a esses detalhes, da mesma forma que naqueles programas de vida selvagem, em que costumam dar nomes aos leões e crocodilos, como se aquilo fosse fazer diferença para tais animais. Nenhuma, por sinal. Entretanto, instaura-se certa intimidade. Que seja!

Lá estava o nosso Albertino em mais um dia de labuta no Banco do Brasil. Gerente de contas polpudas, só atendia a nata de Brasília. Concedia benefícios para aquela gente endinheirada, tudo em nome da fidelidade. Isso mantinha milhões e mais milhões em aplicações rentáveis para tais clientes, mas muito mais para os cofres da agência. Quanto a ele, cabia-lhe, de tempos em tempos, uma bela recompensa.

Nesse toma lá, dá cá, eis que o nosso herói sem capa foi até a cantina tomar um café. Afrouxou o nó da gravata, como que querendo se livrar de algo que o incomodava há tempos. Respirou profundamente, tentando aspirar todo o ar que parecia lhe faltar. Era ali mesmo que ele queria estar? Dali a dois meses chegaria aos 40.

Os pensamentos do homem foram interrompidos por dois colegas, que entraram risonhos. Serviram-se do mesmo café. Eram mais jovens, provavelmente ainda não tivessem percebido que aquele seria o mesmo café que iriam ter pela década seguinte. Talvez nunca perceberiam tal fato. Quem sabe?

Albertino se viu incomodado com aquela aparente alegria dos colegas e, então, jogou o copo de café na lixeira. Saiu sem cumprimentá-los. Foi até o banheiro, postou-se diante do espelho. Apertou os olhos, franziu o cenho. Abriu a torneira e sentiu a frieza da água. Lavou o rosto, tentou aplacar aquela frustração, sem sucesso. Pegou um tanto de papel toalha, passou na cara. O choro compulsivo o tomou por completo.

Não demorou, os mesmos colegas do café entraram no banheiro. Foram em direção ao mictório, quando, então, Albertino decidiu sair mais cedo para o almoço. Não estava com fome, mas precisava tomar ar fresco.

O gerente, assim que pisou na calçada, foi em direção ao restaurante de sempre. Adiante, mudou de ideia e tomou o beco. Trilhou caminhos há muito esquecidos e, logo à frente, avistou um parque, onde crianças brincavam. Sentou-se num dos bancos ao redor.

Albertino, apesar da gritaria daquela gente miúda, fitou o pedaço de terra ao lado e foi transportado para outros tempos. Época em que contava com oito, nove anos, quando amava jogar búlica com os amigos. Recordou que quase sempre perdia, mas, por uma ou duas vezes, voltou para casa com os bolsos cheios de bolas de gude. Sorriu como um menino, aquele mesmo menino que um dia havia sido, mas que, há muito, Albertino não se lembrava que ainda estava por ali.

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