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Suíça dos bancos da propina sofre na Lava Jato

Jamil Chade

Sinônimo de estabilidade e de confiança, a praça financeira suíça tem passado por um verdadeiro terremoto desde a eclosão da Operação Lava Jato no Brasil. Se nos últimos anos os suíços se dedicaram a mostrar para o mundo que as contas secretas haviam acabado, o escândalo brasileiros reabre velhas feridas e mobiliza governo, procuradores, advogados e banqueiros.

A dimensão do caso surpreende até mesmo experientes advogados especializados em anticorrupção na Suíça. Em pouco mais de um ano, as investigações no país acumularam números constrangedores No processo se envolveram mais de cem advogados de uma dezena de escritórios de advocacia.

Há mil contas bloqueadas em 42 instituições financeiras. Mais de 60 processos criminais estão em andamento na Suíça. Um total de US$ 800 milhões já foram congelados e 25 bancos foram alvo de investigações. Um deles já foi sancionado, o BSI, que chegou a ser controlado pelo Banco Pactual, instituição brasileira afetada pelo caso.

Não há como negar que, mesmo distantes de campanhas eleitorais irregularmente financiadas ou de projetos na África, os bancos suíços funcionaram como plataforma de transferências de propinas entre os implicados na Lava Jato. Agora, a investigação procura saber até que ponto foram coniventes.

Questionado pelo Estado sobre como a Suíça permitiu ser usada de forma tão ampla por suspeitos de corrupção no Brasil, o presidente da Suíça, Johann Schneider-Ammann, evitou uma resposta direta. “Nunca aceitamos e não aceitaremos dinheiro de corrupção na Suíça”, disse. “Vivemos em um estado de direito e cumprimos as regras”, insistiu. “Sabemos que existem problemas de corrupção e, no caso específico envolvendo a Suíça, oferecemos nossa preparação para corrigir esses processos”, prometeu.

Entre os banqueiros, o tom é diferente. Com os nomes de suas instituições no caso, adotaram a estratégia de mostrar que estão colaborando com a Justiça. Segundo os investigadores, foi o banco usado por Eduardo Cunha quem o denunciou.

No começo, o caso pareceu vulgar. Investigava-se um número limitado de ex-diretores da Petrobrás. Até junho de 2015, bancos haviam sido alertados pelo Ministério Público de que qualquer envolvimento com nomes como Eduardo Cunha, Henrique Alves ou Nestor Cerveró teria de ser comunicado às autoridades. Mas, naquele mês, a prisão de Marcelo Odebrecht, no Brasil, abriu uma nova onda de denúncias internas. No dia seguinte à detenção, o Escritório de Comunicação sobre Lavagem de Dinheiro, uma agência dentro do país, recebeu 80 alertas de bancos denunciando transações em nome do suspeito ou de sua empresa.

Diante da proporção do caso, os suíços ampliaram a equipe de investigadores. O escritório do procurador-geral, Michael Lauber, confirmou que atualmente só a força-tarefa criada na Suíça para investigar a corrupção no Brasil tem mais de uma dezena de pessoas. “O processo da Petrobrás é complexo”, justificou. A força-tarefa inclui analistas forenses e de tecnologia da informação, especialistas em lavagem de dinheiro e em corrupção internacional. É ainda reforçada pela Polícia Federal suíça, além do Escritório Federal de Justiça.

Em Berna, Stefan Lenz se ocupa das ramificações do caso com a Odebrecht. Uma disputa com a cúpula do MP sobre o acúmulo de serviço levou Lenz a pedir demissão a partir de janeiro. Já em Lausanne, o caso está com o procurador Luc Leimgruber. Ambos pediram para que outras jurisdições do caso, como Panamá, Holanda e Liechtenstein, colaborassem. Em pouco mais de um ano e meio, os dois congelaram dezenas de contas em bancos sagrados do sistema suíço, entre eles o J. Safra Sarasin, UBS, HSBC, Julius Baer, Pictet, Lombard Odier e Credit Suisse. Nesses bancos, reuniões de emergência se proliferaram na alta cúpula para avaliar como dar uma resposta à nova crise de credibilidade internacional.

Com o congelamento vieram milhares de páginas de extratos – e a constatação que teriam de transferir alguns casos para o Brasil. Esse foi, por exemplo, o caminho do processo criminal sobre Cunha. Os procuradores brasileiros receberam um caso praticamente pronto. “Tivemos apenas de traduzir”, contou um procurador em Brasília.

Patrick Odier, ex-presidente da Associação Suíça de Bancos e um dos executivos mais importantes do país, disse acreditar que parte do problema foi provocado pela ânsia das instituições financeiras em atrair fortunas. “Queremos ser líderes em gestão de fortunas e, às vezes, isso traz riscos”, disse. O banco do executivo, o Lombard Odier, está entre os que abriram contas para ex-dirigentes da Petrobrás incriminados na Lava Jato, como Jorge Zelada e Pedro Barusco.

Claude-Alain Mangelisch, presidente da Associação de Bancos Suíços, admitiu à reportagem que a Lava Jato revelou como operadores, fundos e trustes (instrumento de custódia de bens que Cunha admitiu usar) criaram uma rede “complicada” de transferências, justamente para dissimular os recursos e os seus beneficiários. Para ele, a Suíça e seus bancos têm a obrigação de “resolver da forma mais rápida possível” o caso, diante da repercussão negativa para o país.

Até agora, porém, a Suíça lembra o Brasil de antes da Lava Jato: nenhum banqueiro suíço foi nem sequer indiciado. “Essa é a grande hipocrisia”, disse Jean Ziegler, sociólogo e autor do livro A Suíça Lava mais Branco. “A impunidade em relação aos banqueiros é total.”

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