Minha irmã mais velha sempre foi do pagode. Mamãe, que é da igreja, torce a boca como se tivesse parido o próprio Belzebu. Por conta disso, sempre fui tratada como a certinha da família. É que, desde muito cedo, aprendi que é melhor manter alguns segredos longe dos olhos da minha mãe.
— Sula, quando é que você vai tomar juízo?
— Mãe, já basta uma filha ajuizada.
— Pois você deveria seguir o exemplo da sua irmã. Cíntia, corre aqui pra dar uns conselhos pra Sula.
Essa conversa ouço desde os tempos de criança. Com o passar dos anos, fui inventando desculpas para não ter que passar por aquele constrangimento. Dar sermão na minha irmã mais velha? Ih, nem pensar!
— Mamãe, tô atrasada pra escola.
— Mamãe, estou estudando pra prova de amanhã.
— Mamãe, outra hora. Vou acabar perdendo meu emprego se chegar atrasada.
Obviamente que Sula e eu tivemos nossas conversas. No entanto, quase sempre foi ela a me dar conselhos, especialmente em relação a problemas que eu teria na vida. É verdade que não passei incólume por todos percalços, mas sobrevivi e, não raro, recorri ao ombro da minha irmã e chorei.
Sula, no seu modo de enfrentar os estorvos, sempre se mostrou extremamente confiante. Não que também não chore, mas a danada tem uma autoestima maior do que pescoço de girafa. E foi justamente o que aconteceu por esses dias, quando a família estava reunida para comemorar os 63 anos do papai.
Tia Zulmira, que sempre gostou de provocar a minha irmã, quis saber como andava o namoro com o Júlio.
— Ih, tia, aquele ali já mandei pastar.
— Sula, por quê? O rapaz sempre me pareceu tão bom.
— Bom demais pro meu gosto, tia.
— Mas você não tem jeito. Sempre arruma confusão.
— Tia, um dia sem confusão é um dia perdido.
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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