Um mistério ronda a delegacia onde o Santana é lotado. No entanto, aparentemente, não se trata de um crime cometido por um bandido qualquer, como bem disse o investigador do caso, inspetor Rogério Lima: “Estamos no encalço do mais ardiloso criminoso da história desta circunscricional”.
Vamos aos fatos sobre esse terrível delito. Trata-se de um furto de uma dúzia de ovos do tipo extra grande, que havia sido depositado inocentemente no aconchego do interior de uma geladeira. No entanto, tal geladeira não é uma qualquer, como poderia supor, erroneamente, o (a) nobre leitor (a). É que ela se encontra na seção de investigações de crimes gravíssimos: homicídios e latrocínios. Isso tudo leva a crer que o salafrário gosta de provocar a onça com vara curta.
Esse ardiloso bandido possui um modus operandi peculiar, pois, ao que tudo indica, também deseja instigar os ânimos dos policiais, já que fez questão de deixar a caixa de ovos vazia pendurada na mesma sala. Esse ardil, no entanto, talvez seja o prenúncio do seu fim, como bem afirmou o inspetor Lima: “O nosso alvo possui um ego maior que melancia. Vamos trabalhar para ver até onde ele consegue escapar. Vamos dar corda pro pilantra. Mais cedo ou mais tarde, ele vai acabar se enforcando”.
Entre ovos, melancias e cordas, alguns suspeitos já foram intimados. Na verdade, os alvos são policiais da própria delegacia, entre os quais se encontra o Santana, notório apreciador do alimento produzido pelo esforço descomunal das galinhas. Entretanto, como o capacitado Lima lembrou, todos são inocentes até que se prove o contrário. Ou não! Seja como for, o criminoso já ganhou a sugestiva alcunha de Teiú, uma espécie de lagarto famosa por ser apreciadora de ovos.
Apesar de não fazer parte do quadro de policiais da delegacia, a senhora Sissi, que trabalha no local como auxiliar de limpeza, também foi intimada. Não na condição de suspeita, haja vista seu longo e ilibado histórico. Ela é testemunha crucial.
Parece que o depoimento de Sissi trouxe grande aporte de revelações. É que, segundo a competentíssima profissional, houve movimentação além do normal de um dos suspeitos, justamente o Santana. Segundo consta nos autos, ele teria tentado apagar suas digitais da geladeira. No entanto, tal feito se tornou sem efeito, haja vista a perícia criminal já ter passado pelo local e colhido cada uma das marcas deixadas pelo Teiú.
O inspetor Lima, sempre atento aos menores detalhes, lembrou que cacoetes não podem ser usados como indícios de autoria. Entretanto, ele está de olho na situação, mesmo porque Santana configura entre os mais prováveis suspeitos, ainda mais por conta de inquietantes atitudes. E, para surpresa do próprio Lima, após alguns dias, eis que Sissi pediu para conversar novamente com ele.
A despeito de estar ocupado com outros casos, o investigador prontamente atendeu a senhora Sissi. As revelações, nesse dia, foram quase confissão de autoria. Não por parte da nobre profissional, mas pela de um conhecido policial, que a teria coagido. Lima, já querendo limar o suposto autor, teve pensamentos gritantes: “Coagir testemunha no curso das investigações é crime gravíssimo!”
De tão assustada com a situação, foi necessário um copo d’água para acalmar o coração de Sissi, que palpitava em ritmo de Fórmula 1. Todavia, sentindo-se acolhida pelo investigador, ela se tranquilizou e revelou que o Santana a havia procurado logo após o primeiro depoimento. De pistola em punho, o suspeito, com a desculpa de tentar retirar um caroço de feijão entre os dentes, teria dito: “Dona Sissi, não sei se a senhora sabe, mas em boca fechada não entra mosquito”.
Passadas algumas semanas, parece que o caso esfriou. Ninguém mais fala sobre o assunto, mesmo porque todos cansaram de aguardar pelo laudo pericial. Todavia, parece que ele nunca chegará. Isso porque, dizem, o Santana teria, furtivamente, entrado na sala do perito e surrupiado o laudo, que, fatalmente, o incriminaria.
O clima na delegacia continua o mesmo, apesar da geladeira, agora, ostentar um cadeado. Sissi, mesmo se sentindo coagida pelos olhares lançados pelo Santana, ainda prepara um delicioso café, bem como distribui sorrisos por onde anda. Ela sabe que nem todos os crimes são desvendados, mas ainda acredita na competência da polícia.
Por sua vez, o inspetor Lima, verdadeiro perdigueiro, não desistiu de desvendar esse mistério, que empesteou com fedor de ovo podre todo o ambiente. Ele providenciou uma armadilha para pegar o lagartão astuto: colocou uma caixa de ovos pendurada numa parede bem próxima ao suspeito mor, que parece andar desconfiado com tamanha oferta. Ademais, foram colocadas câmeras estrategicamente posicionadas na direção da armadilha para que, a qualquer movimento do comedor de ovos, o investigador possa, finalmente, dar o bote.