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Sumiço do velho Fausto deixa delegacia em rebuliço

Jean Paul, que estava na polícia há poucos meses, ao colocar os pés na delegacia na manhã de domingo, imaginou que seria um plantão tranquilo. O local estava tão silencioso, que era possível ouvir nitidamente a bela voz da jornalista Helen Martins na televisão presa à parede ao lado. Ele deu uma olhadela para a apresentadora do Globo Rural, antes que cumprimentasse o Gilmar e o Renatinho, os dois outros agentes que faziam parte da equipe.

— E aí, galera, tudo na paz? Parece que hoje será um plantãozinho de boa.

— Fecha essa boca, moleque! Quer trazer azar?

— Foi mal, Gilmar!

Nisso, o telefone toca, ao mesmo tempo em que Renatinho e Gilmar lançam um olhar de desaprovação para Jean Paul. Quem mandou o novato abrir a matraca? Que entrasse mudo e saísse calado da próxima vez.

Jean Paul atendeu o telefone. Era a dona Sônia, conhecida moradora da região, famosa pelas empadinhas de camarão. Do alto dos seus quase 90 anos, a velha gozava de elevada reputação até mesmo entre os homens da lei. Tanto é que o Gilmar fez questão de tomar o telefone das mãos do colega e, após ouvir a voz cheia de autoridade do outro lado da linha, não teve dúvida. Precisaria agir antes que a situação caísse nos ouvidos do delegado.

— Rapazes, o seu Fausto sumiu.

— O marido da dona Sônia?

— Sim, Renatinho. Mas parece que o rastreador da camionete dele está acusando que ele possa estar em cárcere privado em um endereço aqui perto.

Gilmar, percebendo que o caso era delicado, resolveu agir. No entanto, como estavam apenas em três naquele dia, avisou a Sissi, responsável pelo café, para que ela ficasse no balcão da delegacia, caso alguém aparecesse. Em seguida, já na viatura, com Jean Paul ao volante, os agentes rumaram para o local.

O carro da polícia estacionou em frente à casa, que possuía um muro de mais de dois metros. Enquanto Jean Paul, o mais alto, tentava olhar por cima do muro, Gilmar, o mais esperto, se agachou e, pela fresta do portão, constatou que a camionete azul do Fausto estava dentro da propriedade. Diante da situação crítica, os três confabularam sobre o próximo passo. Invadir o local ou tocar a campainha?

Nem uma coisa nem outra, pois, por milagre, o portão se abriu diante dos olhos assustados dos homens da lei. Uma mulher de seus 30 anos, em trajes sumários, que revelavam a sinuosa silhueta do seu corpo, apareceu. Ela olhou aqueles três homens e, em seguida, colocou o saco de lixo no suporte ao lado.

Gilmar foi o primeiro a se desvencilhar do transe acometido pela equipe. Ele se dirigiu à tal mulher, que disse se chamar Sula. Questionada se o seu Fausto estava no recinto, ela respondeu que sim. No entanto, pediu para que não fizessem barulho, pois o homem havia tido uma noite animada e estava repousando.

Desconfiado das palavras da mulher, Gilmar pediu autorização para entrar na residência. No entanto, nem foi preciso, já que surgiu, diante dos seus olhos, o seu Fausto, apenas de cueca samba-canção. O velho disse que estava tudo bem, que ele estava apenas se divertindo um pouco, mas que logo voltaria para casa.

Sem mais o que fazer, os três policiais retornaram para a delegacia. Assim que a viatura parou, Gilmar foi o primeiro a descer. Agradeceu a Sissi, que estava com uma xícara de café nas mãos e a ofereceu para o policial.

— Valeu, Sissi! Você é a melhor! Quanto a você, Jean Paul, trate de telefonar para a dona Sônia.

— Eu?

— Sim! Quem começou essa confusão foi você. Trate de dar um jeito nisso.

Sem argumentos para contestar o chefe da equipe, Jean Paul ligou para a idosa.

— Dona Sônia, bom dia! Aqui é o agente Jean Paul. Encontramos o seu marido.

— Ah, que bom! E ele está bem?

— Sim. Parece que ele teve um probleminha com a camionete. Melhor a senhora conversar com o seu esposo assim que ele chegar aí. O seu Fausto vai explicar melhor a situação para a senhora.

Assim que o Jean Paul desligou o telefone, Gilmar, Renatinho e a Sissi lançaram olhares de desaprovação para ele. Que ficasse de bico fechado até o final daquele plantão.

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

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