Criado em 1808, por ocasião da invasão do reino de Portugal pelas tropas francesas comandadas por Napoleão Bonaparte, o Supremo Tribunal Federal já foi a Casa de Suplicação do Brasil e o Supremo Tribunal de Justiça. A renomeação definitiva ocorreu após a Proclamação da República, em 1822. Órgão máximo do Poder Judiciário, o STF atua em defesa da Constituição Federal, julgando casos de constitucionalidade e inconstitucionalidade, além de funcionar como última instância recursal logo após a invasão. Seria ótimo se esta afirmação fosse verdadeira. Hoje, por conta da facilidade de recursos, os 11 magistrados de ouro são obrigados a julgar ordens de despejo, disputas de vizinho, brigas de galo e até questões legislativas que o Congresso esquece nas gavetas.
A tese jurídica sobre o Marco Temporal provou que, apesar das queixas dos parlamentares, vez por outra o Supremo trabalha dobrado. Depois, suas excelências da Câmara e do Senado se acham no direito de, a toque de caixa, novamente debater o que já foi decidido. Não é perseguição, mas para que servem as duas casas do Congresso se temos o STF como legislador? Parece apenas briga de comadres em busca de mais espaço. Só parece, porque as pesquisas mostram que, nos últimos anos, suas excelências de toga aprovaram mais leis do que os congressistas. Poderes à parte, a própria Constituição estabelece limites quando há divergências acerca de determinados assuntos.
É o caso do projeto evangelizador contra a união homoafetiva. Craques em dois ou três versículos da Bíblia, os pastores não são apetrechadamente aculturados nos temas jurídicos. Nem em outros. Por isso, desconhecem que, por meio da Ação direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, o STF, em decisão unânime, equiparou as relações do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres. Portanto, para os desavisados servos de Dom Edir Macedo, foi reconhecida a união estável como um núcleo familiar. Daí que qualquer proposta no mesmo sentido já nasce inconstitucional. É o que acontece quando, sem noção e conhecimento, os homens exercem seus podres poderes.
Na questão concreta do Marco Temporal, também julgado inconstitucional pelo STF por 9×2, o Parlamento não pode alterá-lo, sob pena de agir contra a Constituição de 1988. Embora os poderes sejam autônomos, no português ortodoxo do direito o Congresso não pode ir em direção contrária ao entendimento do Supremo. Ou seja, a jiripoca ainda vai piar alto de um lado ou de outro da Praça dos Três Poderes. Em síntese, lei nascida inconstitucional passa por uma análise de constitucionalidade antes da sanção presidencial. Se não há veto do presidente, ela (a lei) é avaliada como uma provocação aos ministros do Supremo, que novamente terá de declará-la fora das quatro linhas.
A maioria da sociedade não alcança, mas esses supostos conflitos não passam de medição de força. Desnecessário do ponto de vista jurídico, pois quem tem de saber conhece antecipadamente o desfecho, no campo político seus protagonistas usam o imbróglio para aparecerem como destemidos, corajosos, machões. À noite, se valem dos trechos da Voz do Brasil editados na Câmara e no Senado para informar a seus emburrecidos eleitores que “peitaram” o STF. Peitaram temporariamente, mas ficaram (ou ficarão) por um bom tempo sem os peitos e sem o sutiã.
E torçam para que não virem réus na Corte Suprema. Aí, o que deve piar tem o mesmo prefixo da jiripoca, mas um sufixo bem mais dolorido. Na verdade, nem sei se a jiripoca (peixe de água doce com rabo comprido) pia. Entretanto, sua prima (sem rabo e sem pescoço) faz o macho gritar sem sentir dor. Alguns mordem a fronha enquanto degustam prazerosamente um licor de tangerina. Por essas e outras tantas é que o maior castigo para os políticos é não ser acreditado nem quando fala a verdade. Apesar da duvidosa competência de alguns poucos, pelo menos o Supremo ainda está longe de ser a “casa de mãe Joana”.