Porteira continua aberta
Supremo solta Zé Dirceu, líder da corrupção do PT
Publicado
emMarta Nobre, Edição
De nada adiantou o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, defender a manutenção da prisão preventiva do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, preso há quase dois anos no âmbito da Operação Lava Jato, na votação do habeas-corpus nesta terça, 2. Embora tivesse um voto a favor do seu relatório endossado por seu colega Celso de Mello, ele foi derrotado por 3 a 2, com Dias Toffolli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes votando para colocar o ex-ministro em liberdade.
Dirceu teve prisão preventiva decretada em agosto de 2015 e desde então já foi condenado duas vezes pelo juiz federal Sérgio Moro, responsável na primeira instância pelas ações penais sobre o esquema de corrupção na Petrobras. Além do seu envolvimento com a Lava Jato, o ex-ministro foi apontado peoo presidente do PTB Roberto Jefferson como um dos líderes da corrupção do PT, detonado bem antes na ação do Mensalão.
Fica preso – “O núcleo central desse debate é saber se há ilegalidade no decreto que resta aqui atacado por esse habeas corpus. A prisão preventiva é, em meu modo de ver, instrumento importante para a efetividade das persecuções criminais, mas é certo que a preventiva não pode ser um fim em si mesmo. Somente se sustenta juízo negativo sobre o tempo de duração da preventiva se houver ilegalidade”, disse Fachin, ao iniciar a leitura do seu voto.
“A lei é o limite, tanto para determinar quanto eventualmente para revogar a prisão, e se assim não se for quem estiver se afastando da lei é o próprio julgador. A manutenção da prisão preventiva do paciente se encontra justificada pela lei e pela jurisprudência desta Corte, inclusive desta Segunda Turma”, ressaltou o ministro.
Fachin destacou em seu voto a multiplicidade de condutas criminosas atribuídas a Dirceu, além do fato de o ex-ministro da Casa Civil já ter sido condenado no julgamento do mensalão.
“A expressão econômica das vantagens supostamente indevidas e recebidas evidencia que não se está diante de cenário processual ordinário. Impressiona, são cifras que bem sinalizam a gravidade concreta das infrações”, comentou o ministro.
“O caso exibe uma outra particularidade: é fato notório que o paciente restou condenado pelo plenário do STF na ação penal 470 (mensalão), em razão da prática de corrupção”, destacou Fachin.
O ministro reconheceu que diversas prisões preventivas têm sido alvo de críticas. “O tema é mesmo relevante e deve ser tratado como algo cuidadoso. Ele (Dirceu) está preso desde agosto de 2015, o que não deve ser ignorado”, comentou o ministro.
“Eventual excesso na duração de prisões cautelares não deve ser analisado diante de prazos estanques, não se trata de uma questão aritmética. É indispensável que tal circunstância seja aferida de modo particularizado, à luz das peculiaridades de cada caso”, ressaltou.
“Estamos aqui nesse caso a tratar em acusação, digo e repito, a tratar da criminalidade do ‘colarinho branco'”, concluiu Fachin.
O ministro Celso de Mello concordou com o relator. Para ele, os valores apontados nos desvios e o fato de o crime ter continuado por tantos anos justifica a necessidade da prisão para proteger a ordem pública e a sociedade.
“Magnitude dos valores desviados torna isso isento de dúvida, a presença da garantia da ordem pública como fundamental da medida acauteladora. Fato inquestionável, não fosse ação rigorosa, mas necessária do Judiciário, é provável que corrupção e lavagem de dinheiro estivesse perdurando até o momento. A prisão cautelar justifica para interromper (crimes) e proteger sociedade de sua reiteração.”
Celso de Mello leu trecho da decisão de Sérgio Moro, que afirmou que Dirceu continuou cometendo crimes após ser julgado pelo Supremo no processo do mensalão do PT.
O ministro afirmou, no início de seu voto, que o grupo de José Dirceu atuou com objetivo de capturar o Estado e colocar o interesse público em segundo lugar.
Vai prá casa – O ministro Ricardo Lewandowski também votou pela revogação da prisão. Antes dele, o ministro Dias Toffoli já havia votado no mesmo sentido, abrindo uma divergência do voto do relator, Edson Fachin, que se posicionou favorável à manutenção da prisão preventiva.
“Há jurisprudência para vários lados, diversas direções e como vi o ministro Toffoli fazer referência, em direito penal e no direito processual, cada caso é um caso. Não existem teses definitivas aplicáveis mecanicamente, é preciso sempre sopesar os fatos em concreto”, disse Lewandowski.
Dirceu teve prisão preventiva decretada em agosto de 2015 e desde então já foi condenado duas vezes pelo juiz federal Sérgio Moro, responsável na primeira instância pelas ações penais sobre o esquema de corrupção na Petrobras.
“É claro que a conduta (de Dirceu) é grave, ninguém aqui no STF compactua com corrupção”, disse Lewandowski, que observou, no entanto, que a possibilidade de reiteração criminosa “me parece remotíssima, senão impossível” nesse caso.
“A utilização de medidas alternativas afigura-se adequada e suficiente para um só tempo garantir-se que o paciente não volte a delinquir e sobretudo preservar-se a presunção da inocência”, frisou o ministro.
Lewandowski destacou em seu voto que José Dirceu ainda aguarda julgamento em segunda instância – no caso, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
“Não se pode atribuir ao paciente a demora em seu julgamento nem negar-lhe de utilizar dos meios de defesa que a Constituição e as leis lhe asseguram”, ressaltou Lewandowski.
“Não se pode impor ao paciente que aguarde preso indefinidamente eventual condenação no segundo grau. A prisão acaba representando uma punição antecipada, sem uma condenação em segundo grau”, destacou o ministro.
Para Lewandowski, o que se está vendo “são prisões a partir de uma decisão de primeiro grau”. “Isso evidentemente é vedado no nosso ordenamento jurídico constitucional e vedado em qualquer país civilizado”, criticou.
“A prisão dilatada no tempo, que dura quase dois anos, afronta o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade”, concluiu Lewandowski.
Prisão preventiva não é punição – Por sua vez, ao votar pela liberdade de Dirceu, Dias Toffoli sublinhou que “a prisão preventiva não pode ser utilizada como um instrumento antecipado de punição”, afirmou Toffoli, em seu voto, na sessão desta tarde desta terça-feira, 2, após o relator Edson Fachin ter votado pela manutenção da prisão preventiva.
Toffoli afirmou que a manutenção da prisão preventiva após condenação em primeira instância significaria modificar a jurisprudência do Supremo, que prevê que a execução de uma pena deve começar apenas após a condenação em segundo grau.
Destacando que a prisão foi há quase dois anos, o ministro diz reconhecer gravidade dos delitos pelos quais foi condenado em Curitiba, mas afirmou que não há novos argumentos que justifiquem a continuidade da prisão preventiva do ex-ministro do PT. Outro argumento que utilizou foi que o grupo ao qual Dirceu fazia parte já não se encontra no poder após o impeachment da presidente Dilma Rousseff.
“Entendendo que não há contemporaneidade e atualidade entre a dita reiteração delituosa com a decisão que estabeleceu a prisão preventiva e que não estão mais presentes razões processuais e de ordem pública que justifiquem a prisão preventiva, ela nada mais é hoje do que a antecipação de uma decisão definitiva, e há inúmeros casos em que as apelações são providas (garantidas) pelos tribunais”, afirmou Toffoli, fazendo ressalvas de que não “não se está a julgar o caso concreto, nem a apelação em si, mas a necessidade de fundamentos para a prisão cautelar do paciente”
Toffoli disse reconhecer que há um “perigo de liberdade” em relação à possibilidade de o acusado voltar a cometer delitos.
“Mas esse ‘periculum libertatis’ pode ser abreviado com medidas cautelares diversas e menos gravosas do que a prisão. O que também irá repercutir no direito de liberdade do réu. O rol de medidas são inúmeras e suficientes ao meu ver para substituir a prisão provisória, e é claro que não ficará em total liberdade em razão das medidas restritivas que possam ser implementadas”, afirmou.
“Eu voto pela concessão da ordem de habeas corpus, mas não deixo de vislumbrar, como disse em meu voto, a possibilidade de o juízo de origem 13ª Vara Federal de Curitiba, de acordo com o art. 319 do Código de Processo Penal, fixar medidas cautelares substitutivas à medida de prisão preventiva diante do quadro que se impõe. No atual estágio, com a conversão da prisão preventiva em medidas cautelares, eu entendo que é suficiente e afasta a execução provisória de uma pena de primeiro grau, que poderá ser confirmada na apelação”, votou o ministro Toffoli.
Sem covardia – O ministro Gilmar Mendes sinalizou no início de seu voto que concordava com Toffoli e Lewandowski sobre a soltura.
“Não podemos nos ater, portanto, à aparente vilania dos envolvidos para decidir acerca da prisão processual. E isso remete à própria função da jurisdição em geral, da Suprema Corte em particular. A missão de um tribunal como o Supremo é aplicar a Constituição, ainda que contra a opinião majoritária.”
Ele criticou o posicionamento da força-tarefa da Lava Jato, citou a nova denúncia apresentada nesta terça e disse que o Supremo não pode se acovardar.